quarta-feira, 22 de outubro de 2008

PARA REFLETIR

"Não sou da altura que me vêem, mas sim da altura que meus olhos podem ver."

Fernando Pessoa

PARA REFLETIR


"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver crescer as injustiças, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus. O homem chega a desanimar-se da virtude, a rir da honra, e ter vergonha de ser honesto".


Rui Barbosa

TGP

Apostila de Direito



Assunto:


TGP – TEORIA GERAL DO PROCESSO





Autor:

PROFº OTACÍLIO JOSÉ BARREIROS









TEORIA GERAL DO PROCESSO

Prof.: Otacílio José Barreiros

I - A SOCIEDADE E A PROTEÇÃO JURÍDICA

1. A Sociedade e o Direito

O estudo da história das civilizações tem demonstrado que a sociedade, em seus vários graus de desenvolvimento, inclusive os mais primitivos, sempre esteve erigida segundo regras de convivência. O ser humano possui uma vocação, que lhe é imamente, de viver em grupo, associado a outros seres da mesma espécie. Como observou Aristóteles: “o h. é um animal político, que nasce com a tendência de viver em sociedade”. É, portanto, predominante o entendimento de que não há sociedade sem direito: ubi societas ibi jus (onde está a sociedade, está o direito). Ao lado dos que assim pensam, formam ainda os autores que sustentam ter homem vivido uma fase evolutiva pré-jurídica. Mas, sem divergência, os historiadores reconhecem que a sociedade e o direito nasceram e caminham lado a lado. Da mesma forma que não há sociedade sem direito, a recíproca também é verdadeira, não há direito sem sociedade: ubi jus ibi societas; e nesse particular, sustenta-se que não haveria, assim, lugar para o direito, na ilha do solitário Robinson Crusoé, até a chegada do índio Sexta-Feira.

A razão dessa correlação entre a sociedade e o direito está na função ordenadora que este exerce naquela, representando o canal de compatibilização entre os interesses que se manifestam na vida social, de modo a traçar as diretrizes, visando prevenir e compor os conflitos que brotam entre seus membros.

A tarefa da ordem jurídica é, pois, a de harmonizar as relações sociais intersubjetivas, a fim de ensejar a realização do máximo de satisfação na usufruição dos bens da vida com o mínimo de sacrifício e desgaste aos usufrutuários desses bens-interesses. E o critério que deve nortear essa coordenação ou harmonização na busca incessante do bem-comum é o do "justo e o eqüitativo", vigente em determinado tempo e lugar.

1.1. Conflitos de interesse. Pretensão, resistência e lide ­- desde os primórdios fala-se dos conflitos intersubjetivos, como aqueles capazes de pôr em risco a paz social e os valores humanos juridicamente relevantes, designando, assim, os desejos, as exigências e as pretensões que o ser humano procura satisfazer, individualmente ou em grupo, por necessidade ou por espírito de emulação. Quando esses interesses se contrapõem, conduzindo à disputa, à violência e à desordem, ingressam no campo da patologia social. Esses conflitos emergem do seio social quando uma pessoa, pretendendo para si determinado bem, não pode obtê-lo – ou porque (a) aquele que poderia satisfazer a pretensão reclamada não a faz, ou porque (b) o próprio direito proíbe a satisfação voluntária da pretensão (p.ex. a pretensão punitiva estatal que não pode ser satisfeita mediante um ato de submissão do indigitado criminoso).

O impasse gera insegurança e é sempre motivo de angústia e tensão individual e social. Essa indefinição não interessa a ninguém, surgindo, daí, em regra, os denominados conflitos de interesses, caracterizado pela disputa dos bens limitados, ou o exercício de direitos sobre esses bens que exige determinadas formalidades a serem fiscalizadas pelo Estado. Desse conflito, que para alguns pareceria mais adequado denominar-se "convergência de interesses", não chegando seus titulares a uma solução espontânea e satisfatória, surge o que a doutrina tradicional chama de lide que nada mais é que a tentativa resistida da realização de um interesse. Ou na clássica definição de Carnelluti, "o conflito de interesses, qualificado por uma pretensão resistida (discutida) ou insatisfeita".

1.2 Espécies de Interesses. – É preciso não se esquecer, por outro lado, que o direito, ao regulamentar a fruição de bens, em sentido amplo, e o comportamento das pessoas em relação a esses mesmos bens, leva em consideração não só os interesses individuais, de A ou B, mas também os interesses coletivos e, ainda, os interesses que transcendem as necessidades individuais ou grupais e são focalizados como imposições da sociedade, como pretensão de valores supraindividuais, sobre os quais as pessoas, individualmente, não têm disponibilidade, consubstanciados no termo "interesse público", ou como modernamente são chamados: "interesses ou direitos difusos".

Esses conflitos, ou como já se disse, chamados por alguns, interesses convergentes sobre bens, portanto, pode ser:

a) individual, quando afeta uma ou algumas pessoas;
b) coletivos, quando afeta um grupo de pessoas, representando a soma dos interesses individuais;
c) difusos, quando transcende, inclusive, a soma dos interesses individuais e afeta a sociedade como um todo, em seus objetivos básicos.

Interesses individuais são aqueles em que a situação favorável à satisfação de uma necessidade pode determinar-se em relação a um indivíduo, isoladamente. Ex. o uso de uma casa é um interesse individual, porque cada um pode ter uma casa para si.

Interesses coletivos são aqueles em que a situação favorável à satisfação de uma necessidade não se pode determinar senão em relação a vários indivíduos, em conjunto. Ex. o uso de uma grande via de comunicação é um interesse coletivo, porque esta não pode ser construída para a satisfação isolada de um só homem, mas a de muitos homens. "No interesse individual, a razão está entre o bem e o homem, conforme suas necessidades; no interesse coletivo, a razão ainda está entre o bem e o homem, mas apreciadas as suas necessidades em relação a necessidades idênticas do grupo social" (Amaral Santos). A existência dos interesses coletivos explica a formação dos grupos sociais, e, porque a satisfação das suas necessidades não pode ser conseguida isoladamente, os homens se unem em grupos. (ex. os da família, da sociedade civil e comercial, da corporação, do sindicato e do Estado

Interesses difusos são aqueles em que a situação favorável à satisfação de uma necessidade não se pode determinar senão em relação aos titularizados por uma cadeia abstrata de pessoas ligados por vínculos fáticos exsurgidos de alguma circunstancial identidade de situação, passíveis de lesões disseminadas entre todos os seus titulares, de forma pouco circunscrita e num quadro abrangente de conflituosidade.

O direito disciplina todos esses interesses que, eventualmente, se contrapõem, às vezes se superpõem, se contradizem, se interferem, se influenciam. Assim, perante determinado fato, podem convergir um ou diversos interesses individuais, um interesse coletivo e, também, o interesse público.

Compete ao direito, portanto, a disciplina da relação dos indivíduos com os bens da vida, apontando, em cada de conflito, qual interesse deve prevalecer, e qual deve ser sacrificado. O critério de escolha decorre do valor que pretende o direito ver preponderar.

2. Meios de Resolução dos Litígios. Autodefesa, Autocomposição e o Processo

Surgindo um conflito entre dois interesses contrapostos, é possível que ele se resolva por obra dos próprios litigantes ou mediante a decisão imperativa de um terceiro. Na primeira hipótese, ocorre uma solução parcial do conflito, porque resolvido pelas próprias partes e, na Segunda, uma solução imparcial do conflito, isto é, por ato de terceiro desvinculado do litígio.

A resolução dos conflitos pois, ocorrentes na vida em sociedade, pode-se verificar por (1) obra de um ou de ambos os sujeitos envolvidos no conflito de interesses, ou ainda (2) por ato de terceiro, estranho à contenda. Na primeira hipótese, um dos interessados (ou cada um deles) consente no sacrifício total ou parcial do próprio interesse (autocomposição) ou impõe o sacrifício do interesses alheio (autodefesa ou autotutela). Na segunda, pontifica-se a interferência de terceiro estranho ao conflito, a mediação e o processo.

Como formas parciais de resolução dos conflitos temos então a Autotutela ou Autodefesa e a Autocomposição e, como forma imparcial, o processo.

2.1 Da autotutela à jurisdição ­- modernamente, em ocorrendo a convergência de interesses antagônicos, ou um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida (caracterizando-se então a lide), em princípio o direito impõe que, se se quiser pôr fim a essa disputa, seja provocado o Estado-juiz, que tem como vocação constitucional a prerrogativa de dizer, no caso concreto, qual a vontade do ordenamento jurídico (declaração) e, se for o caso, fazer com que as coisas se disponham, na realidade prática, conforme essa vontade (execução).

Contudo, nem sempre foi assim. Nos primórdios da civilização, inexistia um Estado suficientemente aparelhado para superar os desígnios individualistas dos homens e impor o direito acima da vontade egoística dos particulares. À míngua de um órgão estatal, com soberania e autoridade emanada da sociedade representada, que garantisse o cumprimento do direito que, aliás, nem estava corporificado em leis (normas gerais e abstratas impostas pelo Estado a si e aos particulares), quem pretendesse alguma coisa a que outrem se opusesse, haveria de, com sua própria força e na medida dela, tratar de conseguir, por si mesmo, a satisfação de sua pretensão (autotutela ou autodefesa). Até mesmo a repressão aos atos criminosos se fazia em regime de vingança privada e, quando o Estado atraiu para si o jus puniendi, ele o exerceu inicialmente mediante seus próprios critérios e decisões, sem a participação de órgãos ou pessoas imparciais independentes e desinteressadas. Hoje, podemos sentir o quão precário e aleatório era o regime da AUTOTUTELA ou AUTODEFESA, pois não garantia a justiça, mas a vitória do mais forte, mais astuto ou mais ousado sobre o mais fraco ou mais humilde.

São, pois, fundamentalmente, dois os traços característicos da Autotutela:
a) ausência de julgador distinto das partes;
b) imposição da decisão por uma das partes à outra.

Além da autotutela ou autodefesa, outra solução possível, nos sistemas primitivos, era a autocomposição: uma das partes em conflito, ou ambas, abriam mão do interesse ou parte dele. Essa espécie, representava (e ainda hoje representa) meio dos mais democráticos de resolução de conflitos, pois prestigia a vontade, a espontaneidade de decisão dos próprios titulares do direito disputado, independente da força ou da solução da pendência por terceiro desinteressado. São três as formas de autocomposição: a) desistência (renúncia à pretensão); b) submissão (renúncia à resistência oferecida à pretensão); c) transação (concessões recíprocas). Todas essas soluções têm em comum a característica de serem parciais­, no sentido de que dependem da vontade e da atividade de uma ou de ambas as partes envolvidas.

Aos poucos, foi-se percebendo que esses sistemas não atendiam plenamente as exigências do justo e do eqüitativo, enfim, daquele sentido maior de justiça, de que cada um ficasse com o que realmente era seu. Os indivíduos, dessas sociedades ainda primitivas, ávidos por soluções mais eqüânimes para seus conflitos que se apresentavam cada vez mais complexos, começaram a preferir, ao invés de uma solução parcial de suas demandas, uma decisão amigável e imparcial através de árbitros, escolhidos entre pessoas de confiança mútua em que as partes se louvavam para a solução das pendências. Essa tarefa, em geral, era conferida aos sacerdotes, cujas ligações com as divindades garantiam soluções acertadas e incontestáveis, de comum acordo com a vontade dos deuses; ou aos anciões, que conheciam os costumes do grupo social integrado pelos interessados. A decisão dos árbitros pautava-se nos padrões escolhidos pela consciência coletiva, inclusive pelos costumes. Surge, daí, historicamente, o juiz antes do legislador.

À medida que o Estado foi-se firmando, como longa manus da sociedade, passou a se impor aos particulares mediante a invasão de sua antes indiscriminada esfera de liberdade; nascia, também, para ele, gradativamente, a tendência de absorver o poder de ditar as soluções para os dissídios individuais. A História mostra que das origens do direito romano até o século II antes aC, sendo dessa época a Lei das XII Tábuas, o Estado já participava dessas atividades destinadas a indicar qual o comando do direito para o caso concreto de conflito de interesses. Os cidadãos em litígio compareciam perante o pretor, comprometendo-se a aceitar o que viesse a ser decidido; o processo civil romano desenvolvia-se, assim, em dois estágios: perante o magistrado, ou pretor (in jure ¾- nesse primeiro estágio, aquele compromisso das partes em aceitar a indicação do decisor, chamava-se litiscontestatio), e perante o árbitro ( apud judicem ¾- para o julgamento). Vê-se que, nesse período, o Estado, timidamente, já tinha alguma participação na solução dos litígios. Com o passar dos tempos, para facilitar a sujeição das partes às decisões de um terceiro, a autoridade pública começa a preestabelecer, em forma abstrata, através de regras destinadas a servir de parâmetro objetivo e vinculativo para tais decisões, buscando, assim, impedir os julgamentos arbitrários e subjetivos. Surge, então, o legislador (a Lei das XII Tábuas, no ano 450 aC, é um marco histórico fundamental dessa época).

Depois desse período arcaico, veio um outro, em que o pretor, contrariando a ordem estabelecida, passou a conhecer ele próprio do mérito dos litígios entre os particulares, proferindo sentença, inclusive, ao invés de nomear ou de aceitar a indicação de um árbitro que o fizesse. Essa nova fase, iniciada no século III dC, é, por isso mesmo, conhecida por período da cognitio extra ordinem. Através dela, completou-se o ciclo histórico da evolução da chamada justiça privada para a justiça pública: o Estado, suficientemente fortalecido, sobrepunha-se à vontade dos particulares, e, prescindindo-se da voluntária submissão destes, impingia-lhes autoritariamente a sua solução para os conflitos de interesses. Surge, assim, a jurisdição, nome que se dá à atividade, através da qual, os juízes estatais resolvem os conflitos de interesses, agindo em substituição às partes envolvidas, que não podem mais fazer justiça com as próprias mãos (vedada a autodefesa, como regra); às partes, que não podem agir, resta a possibilidade de fazer agir, provocando o exercício da função jurisdicional.

Assim, segundo os historiadores, antes de o Estado conquistar para si o poder de declarar qual o direito no caso concreto e promover a sua realização prática (jurisdição), houve três fases distintas: a) autotutela ou autodefesa ( O Estado, ainda em fase embrionária, não tinha poder de solucionar os conflitos) - os particulares resolviam suas próprias querelas, através da força. Fácil perceber quão precária e aleatória era essa forma de solução de conflitos, pois não garantia justiça, mas a vitória do mais forte, do mais astuto ou mais ousado sobre o mais fraco, o mais humilde ou o mais tímido ¾ período primitivo: lex actionis; b) arbitragem facultativa (numa fase mais avançada da civilização, sempre em busca de meios alternativos à autotutela) ¾ as partes compareciam perante um pretor (órgão do Estado) comprometendo-se a aceitar o que viesse a ser decidido; e esse compromisso, necessário porque a mentalidade da época repudiava ainda qualquer ingerência do Estado, ou de quem quer que fosse, nos negócios de alguém contra a vontade do interessado, recebia o nome de litiscontestatio. Em seguida, escolhiam um árbitro de sua confiança, o qual recebia do pretor o encargo de decidir a lide. Aqui o Estado já tinha alguma participação na solução do conflito ¾ (esse sistema perdurou durante todo o período clássico do direito romano ¾ período formulário : O magistrado estava autorizado a conceder fórmulas de ações que fossem aptas a compor qualquer lide que se apresentasse: havia a intervenção de advogados (séc. II aC a séc. III dC); c) arbitragem obrigatória (substitui a anterior arbitragem facultativa - nessa fase a nomeação inicialmente do árbitro cabia às partes, competindo ao magistrado apenas a outorga ao árbitro de poderes para a solução do conflito) - vedada que era, agora, a autotutela, o sistema então implantado consistia numa arbitragem obrigatória. Surge, então, o legislador, tendo como marco histórico fundamental dessa época a Lei da XII tábuas, no ano 450 aC.

Depois dessa fase que englobava os períodos arcaicos e clássicos, conhecida por ordo judiciorum privatorum, veio outra que se caracterizou pelo crescimento dos poderes pretor que passava a ocupar espaço que não lhe pertencia: rompendo com a ordem preestabelecida, o funcionário do Estado passou a conhecer ele próprio do mérito dos litígios entre particulares, proferindo ele mesmo sentença, ao invés de nomear ou aceitar a nomeação de árbitro que o fizesse.

Essa nova fase, conhecida por período da cognitio extra ordinem, teve início no séc. III dC, completando o ciclo histórico da evolução da chamada justiça privada para a justiça pública: o Estado, já suficientemente organizado e fortalecido, impõe-se aos particulares, prescindindo da voluntária submissão destes, impondo-lhes autoritativamente sua decisão. À atividade, através da qual, os funcionários estatais (juízes) resolvem as lides dá-se o nome de jurisdição. E, como essa atividade se exerce através do processo, pode-se conceituar este como método ou instrumento por meio do qual os órgãos jurisdicionais atuam para fazer cumprir preceito jurídico (vontade da lei) válidas para os casos concretos litigiosos que lhes são apresentados para solução.

O processo surgiu com a arbitragem obrigatória. A jurisdição só depois, no sentido como a entendemos atualmente.

























RESUMO ESQUEMÁTICO

A SOCIEDADE E A PROTEÇÃO JURÍDICA

1. – A sociedade e o direito – origem, essência e finalidade social do direito.

- Pretensão
1.1 – Conflitos de interesses - Resistência
- Lide

- individuais
1.2 – Espécies de interesses - coletivos
- difusos


- Autodefesa ou Autotutela
2. – Meios de Resolução - Autocomposição e
dos Litígios - Processo (arbitragem e jurisdição)


2.1 – Da Autotutela à Jurisdição


- Autotutela (era primitiva e moderna)
- métodos - desistência
parciais - Autocomposição - submissão (devedor)
- transação (ambos)
2.1.1 – Os vários
métodos de solução
das lides - Dto. antigo - facultativa - Dto. moderno (exceção)
- Arbitragem

- métodos - obrigatória - Dto. Romano
imparciais (arcaico/clássico)


- Jurisdição


















3. A Autotutela, a Autocomposição e a Arbitragem no Direito Moderno. O controle jurisdicional indispensável.

Embora a repulsa enérgica do direito à Autotutela como meio ordinário de resolução dos conflitos, que resguarda, quase sempre, o interesse do mais forte, mais poderoso e mais astuto, em determinados casos excepcionais a lei abre exceções à vedação. São exemplos de autotutela, a retenção (CC, art. 516, 772, 1.199, 1.279, etc.[1]), o “desforço imediato” (CC, art. 502[2]), o penhor legal (CC, art. 776[3]), o direito de cortar raízes e ramos de árvores limítrofes que ultrapassem a extrema do prédio confinante (CC. art. 558[4]), a auto-executoriedade das decisões administrativas. (Aqui sobreleva o interesse público representado pela Administração Pública).

As razões pelas quais são legitimadas essas excepcionais condutas unilaterais, invasoras da esfera de liberdade alheia, são de duas ordens:

a) impossibilidade física do Estado-juiz estar presente sempre que um direito esteja sendo violado ou prestes a sê-lo;
b) ausência de confiança de cada um no altruísmo alheio, inspirador de uma possível autocomposição.

A própria autocomposição, que nada tem de anti-social, é medida salutar, e que por isso tem siso estimulada pela lei.

A CF. imperial (1.824), já falava da conciliação, exigindo que fosse tentada antes de todo processo, como requisito para a sua realização e julgamento da causa. A CLT, nos arts. 764[5], 846[6] e 850[7] . No mesmo sentido o CPC impõe ao juiz a obrigação "tentar a qualquer tempo conciliar as partes" (art. 125, inc. IV), e em seu procedimento ordinário incluiu-se uma audiência preliminar (ou audiência de conciliação), através da qual, tratando-se de causas versando direitos disponíveis, o juiz tentará a solução conciliatória antes de definir os pontos controvertidos a serem provados e decididos (art. 331[8]). Frustrada a conciliação, nessa audiência específica, toda vez que se vislumbrar a possibilidade de acordo, o juiz, em atendimento ao comando do art. 125, IV, do CPC, deverá concitar as partes à conciliação. Tentará, ainda, a conciliação, ao instalar a audiência de instrução e julgamento, antes de iniciar a colheita de provas (CPC, art. 448). Ainda, visando uma solução para o impasse, através de concessões parciais, unilaterais ou recíprocas, o juiz tem a faculdade de, a qualquer tempo, notificar as partes para comparecerem à sua presença para interrogá-las sobre os fatos e, inclusive, tentar conciliá-las (art. 342/CPC).

A Lei que instituiu o juizado de pequenas causas (Lei 7244/84), substituída, recentemente, pela Lei 9099/95, é particularmente norteada à conciliação como meio de solução de conflitos, dando a ela especial relevo ao prever uma autêntica fase conciliatória no procedimento que disciplina: só se passa à instrução e julgamento da causa se, após reiterada tentativa, não for possível a conciliação dos litigantes nem a instituição do juízo arbitral (art. 22/28).

Em matéria criminal, por versar a lide sobre direitos indisponíveis, a conciliação, como regra, não tem sido admitida. Entretanto, nova perspectiva se abriu com a CF de 88, ao prever a instituição de juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução ... de infrações penais de menor potencial ofensivo ... permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau" (art. 98, I), matéria atualmente regulamentada pela Lei 9.099/95 que disciplinou a infração de menor potencial ofensivo e seu julgamento pelos Juizados Especiais Criminais, permitida as transações civil e criminal como formas de indenização do dano ex delicto e extinção da punibilidade, através da imposição imediata de pena alternativa.

3.1 A autocomposição pode ser extraprocessual e endoprocessual

A endoprocessual é prevista na lei em suas três formas de autocomposição (submissão, transação e desistência). São contempladas no art. 269, II, III e V, as quais, uma vez, conseguida, têm o condão de pôr fim ao processo, com julgamento de mérito.

Por sua vez, a autocomposição extraprocessual foi largamente utilizada no Brasil, pela atuação dos antigos juízes de paz, assim como pela atuação dos promotores de justiça, principalmente, nas comarcas do interior, ganhando proeminência a solução das causas de pequeno valor, abarcada pela denominada litigiosidade contida, que tanto desprestígio acarreta ao Judiciário, considerado, ainda, um Poder altamente elitista.

A já mencionada Lei de Pequenas Causas (L. 7244/85 e agora a L. 9099/95) estabeleceu em seu sistema a atuação desses e de outros órgãos conciliadores extrajudiciais: os Juizados Informais de Conciliação, têm como função tentar somente a conciliação de pessoas em conflito sem nada julgar, caso frustrado o acordo, aí, sim, faz-se o processo. Em seu art. 57, da atual LPC estabelece que “o acordo extraprocessual, de qualquer natureza ou valor, poderá ser homologado, no juízo competente, independentemente de termo, valendo a sentença como título executivo judicial”; já no § único desse artigo, o legislador prescreve que “valerá como título executivo extrajudicial o acordo celebrado pelas partes, por instrumento escrito, referendado pelo órgão do Ministério Público.”

3.2 Autocomposição no Direito Penal

Submissão à pena pecuniária (alguns países admitem-na); o direito norte-americano prevê a transação (bargaining) entre a acusação e a defesa para a imposição referente a delito de menor gravidade que aquele imputado ao réu. No Br., cumprindo o permissivo constitucional (art. 98, I), recentemente foi editada a Lei de Pequenas Causas, contendo seção penal específica, na qual o dispositivo constitucional foi regulamentado, é possível a autocomposição entre o Ministério Público e o réu, em versando a lide sobre infração penal de menor potencial ofensivo, através da qual o acusado, por proposta do órgão acusador, para evitar ser processado e condenado, pode submeter-se espontaneamente ao cumprimento de penas não-privativas de liberdade, com a solução imediata do conflito, através da homologação do juiz se atendidos os pressupostos e requisitos legais.

3.3 A Arbitragem

A arbitragem, atualmente, está disciplinada pela Lei 9.307/96, que faculta às pessoas capazes de contratar, valer-se dela para solucionar litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Essa lei substituiu o antigo juízo arbitral, disciplinado pelos revogados arts. 1072 a 1102 do CPC, que nunca produziu os resultados desejados, talvez porque o laudo arbitral, pare ter eficácia, dependia de homologação do juiz togado.

A nova lei, procurando instituir produtivo meio alternativo de solução de conflitos, atribui eficácia própria à sentença arbitral, garantindo-lhe os mesmos efeitos da sentença judicial, e, sendo condenatória, força de título executivo.

Pode-se afirmar que a nova arbitragem representa uma abertura no monopólio estatal da jurisdição, permitindo que a resolução dos conflitos possa ser obtida numa outra vertente, fora do processo judicial. É o começo da desestatização dos litígios, pelo caminho da deformalização das controvérsias. Prima a arbitragem pela agilidade e eficácia, deixando a cargo do Judiciário apenas aqueles litígios que, por envolverem direitos indisponíveis, não podem ser entregues à decisão de particulares.

4. Controle Jurisdicional Indispensável (nulla poena sine judicio).

Em determinadas matérias existem exceções à regra da proibição da autotutela, nem é, em princípio, permitida a autocomposição para imposição da pena. É o que acontece de modo absoluto no direito penal e excepcionalmente no direito privado (anulação de casamento, suspensão e perda do pátrio poder etc.). Em casos como esses, o processo é o único meio de se obter a efetivação dos efeitos ditados pelo direito material (imposição de pena, dissolução do vínculo matrimonial etc., enfim, a solução dos interesses conflitantes ou convergentes). Em suma, nessa categoria se inserem todos aqueles direitos regidos pelo ordenamento jurídico como de extrema indisponibilidade, como os penais e aqueles não-penais de interesse público. É a importância desses direitos, sobretudo a liberdade, que transcende a esfera de disponibilidade do indivíduo, que conduz a ordem jurídica a ditar, quanto a eles, a regra do indispensável controle jurisdicional.

Nos primórdios, não havia distinção entre ilícito civil e penal. O Estado, ainda embrionário e impotente perante o individualismo dos cidadãos, não tinha como distinguir entre os atos que, além do dano que causa às partes conflitantes, comprometem o equilíbrio grupal, na medida em que põe em risco a paz social. Na medida em que o Estado foi se conscientizando de sua missão perante o indivíduo é que foi surgindo a idéia da infração penal, no sentido em que hoje a entendemos (ofensa a valores sociais relevantes, encarada sob o aspecto do dano causado à comunidade). E como corolário da proteção a esses valores sociais relevantes, surgem a pena e o direito de punir, conferido ao Estado. Ao cabo de uma longa evolução, chegou-se à mais absoluta vedação da aplicação de qualquer pena sem prévia realização de um processo, com a mais ampla defesa (nulla poena sine judicio).

II – O PROCESSO E O DIREITO PROCESSUAL

5. O Estado moderno e sua função jurídica. – Por suas ordens distintas de atividades, o Estado moderno, no exercício de sua função jurídica, disciplina as relações intersubjetivas.

Com a primeira, que é a legislação, estabelece as normas de convivência que, segundo a consciência reinante, devem reger as mais variadas relações, nos mais diversos campos de atividades dos administrados.

Com a segunda, consistente na jurisdição, cuida o Estado de buscar a realização prática daquelas normas de convivência, eventualmente desrespeitadas, surgindo, então, conflito entre as pessoas.

5.1 Conceito de Direito processual. – Ao surgir um litígio entre dois indivíduos, em que o interesse de um confronta com de outro, surgindo daí uma pretensão que se dirige contra o direito subjetivo de outrem, este, para fazer valer o seu direito, vedada a autotutela e não bastando a autocomposição, terá que, através de um técnico com capacidade postulatória (advogado) , postular em juízo, no processo, a tutela jurídica. Estando em termos a petição inicial (CPC, art. 282) e devidamente “instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação (CPC, art. 283), sob pena de seu indeferimento (CPC, § ún., art. 284), o juiz a despachará, ordenando a citação do réu, possibilitando a este a contestação do pedido dentro do prazo legal (CPC, art. 285). Despachada pelo juiz ou simplesmente distribuída a petição inicial, considera-se proposta a ação, todavia, só produz, quando ao réu, os efeitos mencionados no art. 219[9] depois que for validamente citado. Aqui, já se esboça o processo, instrumento pelo qual o juiz procurará compor o litígio.

Passa-se, então, à defesa do réu, seguindo-se as fases de saneamento e de instrução do feito e, finalmente a fase decisória, o julgamento do mérito, que consiste na entrega da prestação jurisdicional do Estado que cumpre a sua missão de compor a lide.

No desenrolar do processo as partes procuram convencer o julgador quanto aos seus supostos direitos, e este, após examinar todos os elementos de provas e os argumentos das partes, faz incidir a vontade da lei, vale dizer, aplica o direito objetiva à situação contenciosa trazida à sua apreciação.

A esse conjunto de atos das partes, do juiz e de seus auxiliares, até a final solução da lide, obedecendo a um sistema de normas legais e princípios, fazendo com que esses atos processuais se desenvolvam de modo ordenado e não arbitrariamente, chama-se Direito Processual ou Direito Judiciário.

5.2 Posição do Direito Processual no Quadro Geral das Ciências Jurídicas

Como já foi dito, na sua função jurídica, cabe ao Estado prover a sociedade de um ordenamento jurídico objetivando garantir-lhe a paz e a harmonia.

As leis jurídicas, regras obrigatória que a todos vinculam, que um país adota, integra o seu Direito Positivo que representa um vasto corpo de leis e, para se localizar uma determinada norma dentro desse universo legislativo, é imperioso que haja um sistema metodológico, dividindo esse todo em diversas partes, pela natureza da relação normada.

Uma das mais antigas divisões desse conjunto de normas jurídicas é aquela que os separa em duas porções, uma denominada de Direito Público e a outra, Direito Privado. Essa clássica divisão remonta ao Direito Romano.

Cada uma destas classes possui um conjunto de leis que lhe são inerentes, não ocorrendo de uma lei pertencer ao mesmo tempo aos dois conjuntos.

Uma lei é de direito público quando em um de seus pólos aparece o Poder Público (a União, o Estado-membro, o Município, ou suas autarquias e empresas, o Poder Judiciário, o Poder Legislativo ou qualquer do denominados órgãos de Estado (como o Ministério Público).

Não figurando nenhuma dessas pessoas ou órgãos em qualquer dos pólos da relação jurídica, a lei pertence ao ramo do Direito Privado.

De conseguinte, o Direito Público é aquele que disciplina as relações em que o Estado é parte; Direito Privado é o que estabelece relações entre particulares. Contudo, se o Estado participa de uma transação jurídica, não na qualidade de poder público, mas como simples particular, a lei é de Direito Privado. Ex. a lei que regula as locações de prédios pelo Estado, na condição de inquilinos.

O Direito Público, por sua vez, se biparte em dois outros conjuntos de leis: Direito Público Externo e Direito Público Interno.

No Direito Público Externo encontramos o Direito Internacional Público.

O Direito Público Interno, que vige somente dentro do país, desdobra-se em vários ramos do Direito:

a) DIREITO CONSTITUCIONAL: é o estatuto máximo de uma nação. É ele que estabelece a estrutura básica de uma Nação, suas metas, além de fixar os direitos fundamentais da pessoa humana, limitando o Poder do Estado;
b) DIREITO ADMINISTRATIVO: é o conjunto de regras destinadas ao funcionamento da Administração Pública, disciplinando relações entre ela e seus órgãos, entre estes e os administrados em geral;
c) DIREITO TRIBUTÁRIO: é o ramo do direito público que estabelece a forma de arrecadação de tributos, visando a obtenção de receitas para que o Estado atinja os seus fins;
d) DIREITO PENAL: compõe-se do conjunto de regras jurídicas que tem por finalidade a repressão aos delitos, definindo as condutas típicas e a cominação de penas, armando o Estado de poderosos instrumentos para a manutenção da ordem jurídica;
e) DIREITO ELEITORAL: conjunto de regras jurídicas que visam disciplinar as relações entre os postulantes e os cargos públicos eletivos, através de mandato popular, bem como o exercício do voto pelos eleitores;
f) DIREITO PROCESSUAL: cuida da distribuição da Justiça, constituindo-se no conjunto de leis que disciplinam a atuação do Poder Jurisdicional e dos que a ele recorrem, tendo por escopo a resolução dos conflitos intersubjetivos

O Direito Privado, por seu turno, subdivide-se em Direito Comum e Direito Especial.

Pertencem ao Direito Especial o Direito do Trabalho e o Direito Comercial. Aquele é composto de leis que regulam as relações entre empregado e empregador. E este (Comercial) é representado pelo conjunto de normas que tratam das relações entre Comerciantes ou entre estes e o particular.

Já o Direito Comum é representado pelo Direito Civil.

5.3 Direito Material e Direito Processual.

Direito material é o conjunto de princípios e normas que disciplinam os fatos e relações emergentes da vida; ou seja, é o corpo de normas que regulam as relações referentes a bens e utilidades da vida (direito civil, administrativo, comercial, tributário, trabalhista, etc.).

Por outro lado, chama-se direito processual o complexo de normas e princípios que regem o exercício conjugado da jurisdição pelo Estado-juiz, da ação pelo demandante e da defesa pelo demandado.

O que distingue fundamentalmente o direito material do direito processual é que este trata das relações entre atores processuais, da posição de cada um deles no processo, da forma de proceder os atos processuais, sem se preocupar a priori com o bem da vida que é o objeto do interesse primário das pessoas, por elas disputado, e que dá azo ao litígio.

O direito processual é, assim, um instrumento a serviço do direito material, já que seus institutos básicos têm como escopo a garantia da autoridade do ordenamento jurídico.

Exemplificando: suponha-se que um motorista “A”, como seu automóvel, não obedecendo o sinal de trânsito “PARE”, em um cruzamento, colide com o veículo de “B” que demandava pela via transversal com prioridade de passagem. Desse fato nasce uma relação jurídica de direito material, entre os motoristas “A” e “B”, que consiste na obrigação de reparar o dano, nos termos do art. 159 do Código Civil[10].

Vê-se, pois, que o direito material fixa as regras do direito e das obrigações entre as pessoas, impondo àquele que, agindo com culpa em sentido lato, causar prejuízo a outrem, a obrigação de reparar o dano.

Se após o acidente, “A” cumprir a obrigação, espontaneamente e a contento da vítima, a relação jurídica de direito material se resolve; mas, se ao contrário resistir (pretensão resistida), configura-se o litígio, a lide e, se “B” propuser a competente ação de reparação de dano, nasce o processo, estabelecendo relações processuais entre as partes (sujeitos ativos da relação processual) e o juiz (sujeito passivo da relação processual). Através do processo, que é o instrumento de composição do litígio, o juiz ouve as alegações das partes, aprecia o acervo probatório formado pelas provas trazidas pelas partes e por aquelas por ele determinada e, finalmente, decide, prestando a jurisdição, dizendo quem tem razão.

Concorreram, assim, no caso, duas relações jurídicas: a de direito subjetivo-material e a de direito subjetivo-processual.

5.4 Divisão do direito processual

A unicidade da jurisdição, pressupõe a unicidade do poder Estatal e, por conseguinte, uno também deve ser o direito processual, como sistema de princípios e normas para o exercício da jurisdição. Não há compartimentos estanques entre os direitos processuais civil e penal. Antes, eles se completam e se interpenetram. Por isso que se defende a unicidade do direito processual e a importância da Teoria Geral do Processo. No direito comparado já se podem convocar exemplos disso (Códigos unificados de processos da Suécia, Panamá e de Honduras; Código Unitário do Uruguai). A propósito, ver as noções de defesa, coisa julgada, recurso, preclusão, competência e os princípios gerais comuns.

Obviamente, a unidade fundamental do direito processual não pode levar à falsa idéia da identidade absoluta entre cada um de seus ramos distintos. Conforme a natureza da pretensão, o processo será civil ou penal. Penal é aquele que apresenta em um de seus pólos contrastantes, uma pretensão punitiva do Estado. E civil, por outro lado, é o que não é penal e por meio do qual se resolvem os conflitos entre os particulares.



RESUMO ESQUEMÁTICO

O PROCESSO E O DIREITO PROCESSUAL

- Legislação
1. Função Jurídica do Estado
- Jurisdição


2. O conceito de Direito Processual: Direito Judiciário

3. Posição do Direito Processual no quadro do Direito

1) Direito Externo: Direito Internacional Público
I – Direito
Público a) Direito Constitucional
3.1 Direito Positivo b) Direito Administrativo
2) Direito Interno c) Direito Tributário
d) Direito Penal
c) Direito Eleitoral
d) Direito Processual

1) Direito Comum: Direito Civil

II - Direito
Privado - Direito do Trabalho
2) Direito Especial
- Direito Comercial

5. Direito material e Direito Processual: distinção

a) Direito Processual Civil
1) Jurisdição Comum
b) Direito Processual Penal
6. Divisão do Direito Processual

a) Direito Processual do Trabalho
2) Jurisdição Especial b) Direito Processual Eleitoral
c) Direito Processual Militar












III – PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO PROCESSUAL

6. Conceito de Princípio: Princípio significa doutrina, teoria, idéia básica, entendimento que deve nortear vários outros, ou mesmo um sistema.

A ciência processual moderna traçou os preceitos fundamentais que dão forma e caráter aos sistemas processuais. Alguns são princípios comuns a todos os sistemas processuais; outros vigem somente em determinados ordenamentos.

Alguns princípios gerais têm aplicação diversa no âmbito do processo civil e do processo penal, muitas vezes, com feições ambivalentes. Vige no sistema processual penal, por exemplo, a regra da indisponibilidade, ao passo que na maioria dos ordenamentos processuais civis impera a disponibilidade; a verdade formal prevalece no processo civil, enquanto no processo penal domina a verdade real. Outros princípios, contudo, têm aplicação idêntica em ambos os ramos do direito processual. Vamos a eles.

6.1 Princípio da imparcialidade do juiz.

A isenção, em relação às partes e aos fatos da causa, é condição indeclinável do órgão da jurisdicional, para o proferimento de um julgamento justo. O juiz deve ser superpartes, colocar-se entre os litigantes e acima deles: é a primeira condição para que possa exercer sua função dentro do processo.

A imparcialidade do juiz é, pois, pressuposto para que a relação processual se instaure validamente. Nesse sentido é que se diz que é órgão jurisdicional deve ser subjetivamente capaz.

O juiz subjetivamente capaz é aquele que não tem sua imparcialidade comprometida pelo impedimento ou pela suspeição. A imparcialidade do juiz resulta em garantia de ordem pública. É garantia não só das partes, que terão a lide solucionada com justiça, mas também do próprio Estado, que quer que a lei seja aplicada corretamente, e do próprio juiz, que ficará coberto de qualquer suspeita sobre seus atos (arbítrio ou parcialidade). Para assegurar a imparcialidade do juiz, as Constituições lhe estipulam (a) garantias (CF, art. 95); prescrevem-lhe (b) vedações (art. 95, § ún. e proíbem (c) juízos e tribunais de exceção (art. 5º, inc. XXXVII). Nessa trilha, o CPC (arts. 134 e 135) elenca os motivos de impedimento e de suspeição do juiz.

Aos Tribunais de Exceção, cuja vedação é um dos direitos individuais resguardados pela CF, contrapõe-se o juiz natural, que é aquele previsto expressa ou implicitamente na Constituição Federal. É aquele investido de funções jurisdicionais, atributo só conferido aos juízes ou tribunais, mencionados explícita ou implicitamente em norma jurídico-constitucional.

Há previsão expressa quando a CF exaure a numeração genérica dos órgãos a que está afeta determinada atividade jurisdicional. É o que acontece, v.g., nos arts. 111, sobre a Justiça do Trabalho, 118, sobre a jurisdição eleitoral.

Há previsão implícita, ou condicionada, quando a Carta Magna deixa à lei infraconstitucional a criação e a estrutura de determinados órgãos, como ocorre, p.e., com a jurisdição militar, que será exercida pelo STM e pelos "Tribunais e Juízes Militares instituídos por lei" (art. 122, II).

Entretanto, tem-se como regra indefectível e imperativa, é que o órgão judiciário que não encontrar na Constituição a sua origem e fonte criadora, não está investido de atribuições jurisdicionais, o mesmo se verificando com os órgãos que não se estruturam segundo o previsto na Lei Maior.

O princípio do juiz natural traduz duas conseqüências: a) consagra a norma de que só é juiz o órgão investido de jurisdição (impedindo a possibilidade de o legislador julgar, impondo sanções penais sem processo prévio, como ocorria com o antigo direito inglês); b) impede a criação de tribunais ad hoc e de exceção, para o julgamento de causas penais ou civis.

A garantia do juiz natural desdobra-se em três conceitos: (a) só são órgãos jurisdicionais os instituídos pela Constituição; (b) ninguém pode ser julgado por órgãos constituído após a ocorrência do fato; (c) entre os juízes pré-constituídos vigora uma ordem taxativa de competências que exclui qualquer alternativa deferida à discricionariedade de quem quer que seja. A CF de 1988 reintroduziu a garantia do juiz competente no art. 5º, LIII.

A imparcialidade do juiz é uma garantia de justiça para as partes. Por isso, têm elas o direito de exigir um juiz imparcial; e a esse direito subjetivo da parte, corresponde o dever do Estado, que reservou para si o exercício da função jurisdicional, de agir com imparcialidade na solução das causas que lhe são submetidas.

[A Declaração Universal dos Direitos do Homem, contida na proclamação feita pela Assembléia Geral das Nações Unidas reunidas em Paris em 1948, estabelece: "toda pessoa tem direito, em condições de plena igualdade, de ser ouvida publicamente e com justiça por um tribunal independente e imparcial, para a determinação de seus direitos e obrigações ou para o exame de qualquer acusação contra ela em matéria penal"]

6.2 Princípio da isonomia

"Todos são iguais perante a lei ..." (CF, art. 5º, caput). A igualdade perante a lei é premissa para a afirmação da igualdade perante o juiz. As partes devem merecer tratamento igualitário, para que tenham as mesmas oportunidades de fazer valer em juízo as suas razões. Assim, o art. 125, I, do CPC proclama que compete ao juiz "assegurar às partes igualdade de tratamento"; e o art. 9º determina a nomeação de curador especial ao incapaz que não o tenha (que cujos interesses colidam com os do representante) e ao réu preso, ou citado por edital ou com hora certa. No processo penal, ao réu revel ao pobre que não tenha condições de constituir um, é dado defensor dativo. Diversos outros dispositivos consagram o princípio da igualdade.

Logicamente, o conceito primitivo de igualdade, formal e negativa (todos são iguais perante a lei) não conduz a um tratamento justo, por isso clamou-se pela passagem à igualdade substancial, evoluindo-se para o conceito realista, que pugna pela igualdade proporcional, que significa, em suma, tratamento igual ao substancialmente iguais e desigual aos desiguais.

Anote-se que no processo penal o princípio da igualdade é atenuado pelo favor rei, postulado básico através do qual o interesse do acusado prevalece no contraste com o direito de punir do Estado. Dentre outras proteções à liberdade do indivíduo, as normas consagram a prevalência do interesse do réu, prevendo a absolvição por insuficiência de provas, a existência de recursos privativos da defesa a revisão criminal somente in favor rei (etc.).

No Processo Civil encontram-se prerrogativas protetivas do interesse público, como as concedidas à Fazenda Pública e ao Ministério Público, em razão da natureza do direito que defendem e a organização do Estado.

Essas prerrogativas não podem sobrepor-se ao estritamente necessário para restabelecer o equilíbrio das partes, titulares dos interesses em conflito.

6.3 Princípios do contraditório e da ampla defesa

O princípio do contraditório é corolário de uma garantia fundamental de justiça: o princípio da audiência bilateral, que encontra correspondência no velho brocardo romano audiatur et altera pars. Ele está tão intimamente ligado ao exercício do poder jurisdicional, sempre influente na esfera jurídica das pessoas, que a doutrina moderna o considera inerente à própria noção de processo.

Em todo processo contencioso há pelo menos duas partes: autor e réu. Aquele instaura a relação processual, invocando a tutela jurisdicional, mas a relação processual só se completa e põe-se em condições de preparar o provimento judicial com o chamamento do réu a juízo.

O juiz, por força de seu dever de imparcialidade, coloca-se entre as partes, mas eqüidistante delas, conferindo-lhes direitos e deveres, buscando sempre um tratamento igualitário entre elas, no sentido de possam expor suas razões, de apresentar suas provas, de influir no convencimento do julgador.

Somente através da soma da parcialidade das partes (uma representando a tese e a outra, a antítese) o juiz pode corporificar a síntese, em um processo dialético. É por isso que se diz que as partes, em relação ao juiz, não tem papel de antagonistas, mas sim de "colaboradores necessários": cada qual dos contendores age no processo tendo em vista o próprio interesse, mas a ação combinada dos dois serve à justiça na eliminação do conflito ou controvérsia que os envolve.

A CF. previu o contraditório e ampla defesa num mesmo dispositivo, determinando expressamente sua observância no processos de qualquer natureza, judicial ou administrativo, e aos acusados em geral: "Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes" (art. 5º, LV).

Como conseqüência desses princípios é necessário que se dê ciência a cada litigante dos atos praticados pelo juiz e pelo adversário, efetivando-se o contraditório e possibilitando a ampla defesa.

A ciência dos atos processuais pode ser dada, dependendo da espécie do ato, através da citação, da intimação e da notificação.

A legislação não é uniforme na utilização desses vocábulos. Nos Códigos de Processo Civil e Penal, citação é o ato pelo qual se dá ciência a alguém da instauração de um processo, chamando-o a participar da relação processual (CPC, art. 213). Intimação é o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos do processo, contendo também, eventualmente, comando para fazer ou deixar de fazer alguma coisa (CPC, art. 234). Notificação "notus ficare", na lição de Gabriel de Rezende Filho, "é o conhecimento que se dá a alguém, para praticar ou deixar de praticar algum ato, sob certa cominação". Ainda, segundo a doutrina, a distinção básica entre a notificação e intimação é que aquela tem como causa finais a determinação da autoridade para a prática ou a abstenção de um ato que o notificado deva fazer ou deixar de fazer. Já a intimação consiste na cientificação de um ato já praticado, um despacho ou uma sentença.

Mas esses atos de comunicação processual não constituem os únicos meios para o funcionamento do contraditório. Tratando-se de direitos disponíveis, não deixa de haver o pleno exercício do contraditório ainda que a contrariedade não se efetive. É o caso do réu que, embora citado em pessoa, fica revel (CPC, art. 319). Para configurá-lo, é suficiente que as partes sejam colocadas em condições de contrariarem; mesmo que não o façam, reputa-se respeitado o princípio pela oportunidade que se lhe ofereceu. Dois, pois, são os elementos que constituem o contraditório: a) a informação; b) a reação (esta, meramente possibilitada nos casos e de direito disponível).

Sendo indisponível o direito, o contraditório precisa ser efetivo e equilibrado: mesmo revel o réu em processo-crime, o juiz dar-lhe-á defensor (CPP, arts. 261 e 263). Defesa razoavelmente técnica. No Processo Civil, ao revel, citado por hora certa e edital, assim como ao réu preso, será dado curador especial.

O inquérito é mero procedimento administrativo que visa a colheita de provas para informações sobre o fato infringente da norma e sua autoria. Não existe acusação, não havendo, portanto, réu, mas simples indiciado e, por isso, também não há defesa. Evidentemente, os direitos fundamentais do indiciado hão de ser respeitados.

6.4 Princípio da ação (processo inquisitivo e acusatório).

Princípio da ação, ou princípio da demanda, ou princípio da iniciativa das partes, indica que o Poder Judiciário, órgão incumbido de oferecer a jurisdição, regido por outro princípio (inércia processual), para movimentar-se no sentido de dirimir os conflitos intersubjetivos, depende da provocação do titular da ação, instrumento processual destinado à defesa do direito substancial litigioso.

A experiência tem demonstrado que o juiz que instaura o processo por iniciativa própria acaba ligado psicologicamente à pretensão, colocando-se em posição propensa a julgar favoravelmente a ela. Esse seria o denominado processo inquisitivo, em que o juiz, via de regra, perde sua imparcialidade. Características do processo inquisitório: é secreto; não-contraditório e escrito.

O processo acusatório: é o sistema processual penal de partes, em que o acusador e acusado se encontram em pé de igualdade; é, ainda, um processo de ação, com garantias da imparcialidade do juiz, do contraditório e da publicidade.

Ao lado desses dois sistema existe o processo penal misto, em que há somente algumas etapas secretas e não-contraditórias. Ex.: O CPP francês, prevê um procedimento desenvolvido em três fases: a investigação preliminar perante a polícia judiciária, a instrução preparatória e o julgamento. As duas primeiras são secretas e não-contraditórias.

O Br. adota o sistema acusatório. A fase prévia representada pelo inquérito policial constitui procedimento administrativo, sem exercício da jurisdição, sem litigantes e mesmo acusado. Por isso, o fato de não ser contraditório não contraria a exigência constitucional do processo acusatório.

O princípio da ação é, pois, adotado, quer na esfera penal (CPP, art. 24, 28 e 30), quer na esfera civil (CPC, art. 2º, 128 e 262). Existem exceções à regra da inércia dos órgãos jurisdicionais: CLT - execução trabalhista, art. 878; Lei de Falências, art. 162); habeas corpus de ofício.
Como decorrência do princípio da ação, o juiz – que não pode instaurar o processo – não pode, por conseguinte, tomar providências que superem os limites do pedido (CPC, art. 459 e 460).

No processo penal, o fenômeno é semelhante (os casos dos arts. 383 e 384: em que a qualificação jurídica dada aos fatos é juízo de valor que pertence preponderantemente ao órgão jurisdicional, não se caracteriza julgamento extra ou ultra petita e sim libre dicção do direito). O que vincula o juiz, delimitando o seu poder de decisão, não é o pedido de condenação por uma determinada infração penal, mas a determinação do fato submetido à sua indagação.

6.5 Princípios da disponibilidade e da indisponibilidade

Denomina-se poder dispositivo a liberdade que as pessoas têm de exercer ou não seus direitos. Em direito processual tal poder é configurado pela disponibilidade de apresentar ou não sua pretensão em juízo, da maneira que melhor lhes aprouver e renunciar a ela ou a certas situações processuais. Trata-se do princípio da disponibilidade processual. Esse poder de dispor das partes é quase que absoluto no processo civil, mercê da natureza do direito material que se visa fazer atuar. As limitações a esse poder ocorre quando o próprio direito material é de natureza indisponível, por prevalecer o interesse público sobre o privado.

O inverso acontece no direito penal, em prevalece o princípio da indisponibilidade (ou da obrigatoriedade). O crime é sempre considerado uma lesão irreparável ao interesse público e a pena é realmente reclamada, para a restauração da ordem jurídica violada. Exceções: infrações penais de menor potencial ofensivo (art. 98, I, da CF).

Conseqüências: nos crimes de ação penal pública a Aut. Pol. é sempre obrigada a proceder as investigações preliminares (CPP, art. 5º) e o órgão do MP deve necessariamente deduzir a pretensão punitiva. Arquivamento: risco de mitigação do princípio da obrigatoriedade, em benefício, porém, do princípio da ação.

Outras limitações: Ação penal privada e ação penal pública condicionada.

Outras conseqüências do princípio da indisponibilidade: a Aut. Pol. não pode deixar de prosseguir das investigações instauradas ou arquivar o inquérito. O MP não pode desistir da ação e dos recursos interpostos. Pode, contudo, pedir a absolvição do réu.

Outra decorrência da indisponibilidade do processo penal é a regra pela qual os órgãos da persecução criminal devem ser estatais. Exceções: Ação Penal Popular nos crimes de responsabilidade praticados pelo Procurador-Geral da República e por Ministros do Supremo Tribunal Federal (lei 1.079/50). Ação Penal privada.

6.6 Princípio da livre investigação e apreciação das provas.

O princípio dispositivo – consiste na regra de que o juiz depende da iniciativa das partes quanto a instauração da causa e às provas, assim como às alegações em que se fundamentará a decisão.

A doutrina não discrepa do entendimento de que o mais sólido fundamento do princípio dispositivo parece ser a necessidade de salvaguardar a imparcialidade do juiz. A cada um dos sujeitos envolvidos no conflito sub judice é que deve caber o primeiro e mais relevante juízo de valor sobre a conveniência ou inconveniência de demonstrar a veracidade dos fatos alegados. Em regra, o juiz deve deixar às partes o ônus de provar o que alegam.

Entrementes, em face da concepção publicista do processo, não é mais possível manter o juiz como mero espectador da batalha judicial. Afirmada a autonomia do direito processual em relação ao direito material e enquadrado como ramo do direito público, e verificada a sua finalidade preponderante sócio-política, a função jurisdicional evidencia-se como um poder-dever do Estado, em torno do qual se reúnem os interesses dos particulares e os do próprio Estado. Assim, paulatinamente, os poderes instrutórios foram aumentando, passando de espectador inerte à posição ativa, cabendo-lhe não só impulsionar o andamento das causa, mas também determinar provas, conhecer de ofício de circunstâncias que até então dependiam de alegações da partes, dialogar com elas, reprimir-lhes eventuais condutas irregulares etc.

No campo penal sempre predominou o sistema da livre investigação de provas. Mesmo quando, no processo cível, se confiava exclusivamente no interesse das partes para o descobrimento da verdade, tal critério não poderia ser seguido nos casos em que o interesse público limitasse ou excluísse a autonomia privada. Isso porque, enquanto no processo civil em princípio o juiz pode satisfazer-se com a verdade formal, no processo penal o juiz deve averiguar o descobrimento da verdade real, como fundamento da sentença.

6.7 Identidade Física do Juiz

Para que o julgamento não seja feito por um juiz que não acompanhou os fatos nem coligiu as provas, o processo deve ter um mesmo juiz desde seu início até final decisão. Tal princípio, previsto no art. 132 do CPC[11], é atenuado pela possibilidade de transferência, promoção ou aposentadoria do juiz, diretor do processo.

Este princípio era de tal modo absoluto que, no CPC anterior (art. 120), mesmo aposentado, transferido ou promovido, continuava vinculado ao processo.

No processo Penal, o princípio não é adotado. Havia uma exceção no art. 77 do CP, quando o juiz reconhecia a periculosidade real do réu. Contudo, essa figura da medida de segurança real foi revogada pela Lei 7.209/84.

6.8 Princípio da Oficialidade

A repressão ao crime e ao criminoso constitui uma necessidade essencial e função precípua do Estado, de modo que este, em virtude do ordenamento jurídico que tutela os bens sociais públicos, torna-se titular de um poder (poder-dever) de reprimir o transgressor da norma penal. Em tendo a função penal índole eminentemente pública, a pretensão punitiva do Estado deve ser feita por um órgão público que deve iniciar o processo de ofício. Nisto consiste o princípio da oficialidade, isto é, os órgãos incumbidos da persecutio criminis são órgãos do Estado, oficiais portanto. A Aut. Pol. nas investigações preliminares do fato e respectiva autoria e o Ministério Público na instauração da ação penal.

Desse princípio decorrem duas regras importantes: a 1ª é a da "autoridade" - os órgãos incumbidos das investigações e da ação devem ser uma autoridade (autoridade policial e o Ministério Público); a 2ª é a iniciativa de ofício dessas autoridades.

Exceções: Ação penal popular, ação penal privada e condicionada.

6.9 Princípio do impulso processual

Uma vez instaurada a relação processual, compete ao juiz mover o procedimento de fase em fase, até exaurir a função jurisdicional. Trata-se, sem dúvida, de princípio ligado intimamente ao procedimento (roupagem formal do processo), nessa sede iremos abordá-lo mais profundamente.

6.10 Princípio da oralidade

Trata-se de princípio indissoluvelmente ligado ao procedimento; quando cuidarmos desse tema, tornaremos ao assunto.

6.11 Princípio da Livre Convicção (persuasão racional)

Este princípio regula a apreciação e a avaliação da provas produzidas pelas partes, indicando que o juiz deve formar livremente sua convicção. Situa-se entre o sistema da prova legal e do julgamento secundum conscientiam.

No primeiro (prova legal) atribui aos elementos probatórios valor inalterável e prefixado, que o juiz aplica mecanicamente. O segundo significa o oposto: o juiz pode decidir com base na prova, mas também sem provas e até mesmo contra elas. Ex. da prova legal é dado pelo antigo processo germânico, onde a prova representava uma invocação a Deus. O juiz não julgava, mas apenas ajudava as partes a obter a decisão divina. Já o princípio secundum conscientiam é notado, embora com certa atenuação, pelos Tribunais do Júri.

A partir do Sec. XVI, porém, começou a delinear-se o sistema intermediário do livre convencimento do juiz, ou da persuasão racional que se consolidou sobretudo nos primados da Revolução Francesa.

Essa liberdade de convicção, contudo, sofre temperamento pelo próprio sistema que exige a motivação do ato judicial (CF., art. 93, IX; CPP, art. 381, III; CPC, art. 131, 165 e 458, II etc.).

6.12 Princípio da motivação das decisões judiciais.

Complementando o princípio do livre convencimento do juiz, surge a necessidade da motivação das decisões judiciárias. É uma garantia das partes, com vista à possibilidade de sua impugnação para efeito de reforma. Só por isso as leis processuais comumente asseguravam a necessidade de motivação. Mais modernamente, foi sendo salientada a função política da motivação das decisões judiciais, cujos destinatários não são apenas as partes e o juiz competente para julgar eventual recurso, mas quaisquer do povo, com a finalidade de aferir-se em concreto a imparcialidade do juiz e a legalidade e justiça das decisões.

6.13 Princípio da publicidade

Este princípio constitui uma preciosa garantia do indivíduo no tocante ao exercício da jurisdição. A presença do público nas audiências e a possibilidade do exame dos autos por qualquer pessoa representam o mais seguro instrumento de fiscalização popular sobre a obra dos magistrados, promotores públicos e advogados. O povo é o juiz dos juízes.

Publicidade popular e a restrita.

6.14 Princípio da lealdade processual

O processo, por sua índole, em sendo eminentemente dialético, é reprovável que as partes dele se sirvam faltando ao dever de honestidade, boa-fé, agindo deslealmente e empregando artifícios fraudulentos. Já vimos que a finalidade suprema do processo é a eliminação dos conflitos existentes entre as partes, possibilitando a estas respostas às suas pretensões, mas também para a pacificação geral na sociedade e para a atuação do direito, por isso que se exige de seus usuários e atores a dignidade que corresponda aos seus fins. O princípio que impõe esses deveres de moralidade e probidade a todos aqueles que participam do processo (partes, juízes e auxiliares da justiça; advogados e membros do Ministério Público) denomina-se princípio da lealdade processual.

O desrespeito ao dever de lealdade processual constitui-se em ilícito processual (nele compreendendo o dolo e a fraude processual), ao qual correspondem sanções processuais. O CPC tem marcante preocupação na preservação do comportamento ético dos sujeitos do processo. Partes e advogados e serventuários, membros do Ministério Público e o próprio juiz estão sujeitos a sanções pela infração de preceitos éticos e deontológicos, que a lei define minuciosamente (arts. 14, 15, 17, 18, 31, 133, 144, 147, 153, 193, 195, 197, 600 e 601).

6.15 Princípios da economia e da instrumentalidade das formas

O princípio da economia significa a obtenção do máximo resultado na atuação do direito com o mínimo possível de dispêndio. É a conjugação do binômio: custo-benefício. A aplicação típica desse princípio encontra-se em institutos como a reunião de processos por conexão ou continência (CPC, art. 105), reconvenção, ação declaratória incidente, litisconsórcio etc.

Importante corolário da economia processual é o princípio do aproveitamento dos atos processuais (CPC, art. 250, de aplicação geral nos processos civil e penal).

Por outro lado, não se pode perder de vista que a perspectiva instrumentalista (instrumento é meio; e todo meio só é tal e se legitima, em função dos fins a que se destina) do processo é por definição teleológica e o método teleológico conduz invariavelmente à visão do processo como instrumento predisposto à realização dos objetivos eleitos.

6.16 Princípio do duplo grau de jurisdição

Esse princípio prevê a possibilidade de revisão, por via de recurso, das causas já julgadas pelo juiz de primeiro grau (ou de primeira instância), que corresponde à denominada jurisdição inferior, garantindo, assim, um novo julgamento, por parte dos órgãos da jurisdição superior, ou de segundo grau.

O referido princípio funda-se na possibilidade de a decisão de primeiro grau ser injusta ou errada, por isso a necessidade de se permitir a sua reforma em grau de recurso.

Adotado pela generalidade dos sistemas processuais contemporâneos.

Corrente doutrinária opositora (minoria).

Exceções ao princípio: hipóteses de competência originária do STF

Recurso Voluntário e de oficio.










































RESUMO ESQUEMÁTICO

PRINCÍPIOS QUE REGEM O DIREITO PROCESSUAL


PROCESSO PENAL

PROCESSO CIVIL

Imparcialidade
Contraditório
Ação (demanda)




Juiz Natural
Direito de Defesa
Limites do Pedido



Indisponibilidade

Disponibilidade





Regra da Irretratabilidade
Regra da
Oficialidade

Identidade Física
Do Juiz




Livre Investigação

Dispositivo




Verdade Real

Verdade Formal


Impulso Oficial
Oralidade
Livre Convicção
Motivação das decisões


Publicidade
Lealdade
Economia Processual
Duplo Grau de Jurisdição

Popular
Restrita
















IV - DIREITO PROCESSUAL CONSTITUCIONAL

7. O Processo e a Constituição Federal

O direito processual, como ramo do direito público, tem suas linhas fundamentais ditadas pelo direito constitucional, que fixa a estrutura dos órgãos jurisdicionais, que garante a distribuição da justiça e a declaração do direito objetivo, que estabelece alguns princípios processuais. Nesse diapasão, o direito processual penal chega a ser apontado como direito constitucional aplicado às relações entre a autoridade e liberdade. Alguns dos princípios gerais que informam o processo são, a priori, princípios constitucionais ou seus corolários, tais como, o juiz natural (art. 5º, XXXVII), a publicidade das audiências (art. 5º, LX e 93, IX), a posição do juiz no processo e da subordinação da jurisdição à lei (imparcialidade); e, ainda, os poderes do juiz no processo, o direito de ação e de defesa, a função do Ministério Público, a assistência judiciária etc.

7.1 Tutela constitucional do processo

O antecedente histórico das garantias constitucionais da ação e do processo é o art. 39 da Carta Magna de 1215, outorgada por João Sem-Terra a seus barões, assim redigido: "nenhum homem livre será preso ou privado de sua propriedade, de sua liberdade ou de seus hábitos, declarado fora da lei ou exilado ou de qualquer forma destruído, nem o castigaremos nem mandaremos forças contra ele, salvo julgamento legal feito por seus pares ou pela lei do país".

A análise da CF em vigor contém vários dispositivos que caracterizam a tutela constitucional da ação e do processo. Assim o faz quando estabelece a competência da União para legislar sobre direito processual, unitariamente conceituado (art. 22, I); e quanto aos procedimentos em matéria processual, dá competência concorrente à União, aos Estados e ao Distrito Federal (art. 24, XI).

O direito de ação, com o correlato acesso à justiça, é ainda sublinhado pela previsão constitucional dos juizados para pequenas causas, civis e penais, agora obrigatórios e todos informados pela conciliação e pelos princípios da oralidade e concentração (art. 98, I). E mesmo fora dos juizados, a CF prevê e valoriza a função conciliatória extrajudicial, pela ampliação dos poderes do juiz de paz (art. 98, II).

Com o mesmo espírito, inserem-se a facilitação do acesso à justiça, mediante a legitimação do Ministério Público e de corpos representativos da sociedade civil organizada (associações, entidades sindicais, partidos políticos, sindicatos), na defesa dos chamados interesses difusos e coletivos, de que a CF é extremamente rica (art. 5º, XXI e LXX; art. 8º, III; 129, III e § 1º; art. 232). O mesmo ocorre com relação à titularidade da ação direta de inconstitucionalidade das leis e dos atos normativos, sensivelmente ampliada (art. 103).

7.2 Garantias da ação e da defesa ou acesso à jurisdição

O direito de ação, tradicionalmente reconhecido no Brasil como direito de acesso à jurisdição para a defesa de direitos individuais violados, foi ampliado pela CF. à via preventiva, para englobar a ameaça a esses direitos (art. 5º, XXXV), garantindo assistência gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (LXXIV).

7.3 As garantias do devido processo legal

Entende-se, com essa fórmula, o conjunto de garantias constitucionais que, de um lado, asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais e, de outro, são indispensáveis ao correto exercício da jurisdição. Servem não só aos interesses das partes, como direitos públicos subjetivos (ou poderes e faculdades processuais) destas, mas que configuram, antes de tudo, a salvaguarda do próprio processo, objetivamente considerado, como fator legitimante do exercício da jurisdição.

Em derradeira análise, o due process of law consiste no direito de não ser o cidadão privado da liberdade e de seus bens, sem a garantia que supõe a tramitação de um processo desenvolvido na forma da lei.[12]

O conteúdo dessa regra constitucional [ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal" (art. 5º, inc. LIV)] desdobra-se em rico leque de garantias específicas: a) a dúplice garantia do juiz natural (art. 5ª, inc. XXXVII), não mais restrito à proibição dos juízos ou tribunais de exceção, mas abrangendo a dimensão do juiz competente (art. 5º, incs. XXXVII e LIII; e b) o contraditório e a ampla defesa, agora assegurados em todos os processos, inclusive administrativos, desde que neles haja litigantes ou acusados (art. 5º, inc. LV).

[A investigação administrativa realizada pela polícia judiciária e denominada de inquérito policial não está abrangida pela garantia do contraditório e da defesa, mesmo perante o novo texto constitucional, pois nela ainda não há acusado, mas mero indiciado. Permanece de pé a distinção do CPP, que trata do inquérito nos arts. 4º e 23, e da instrução processual nos arts. 394 e 405.]

Como novas garantias, a publicidade e o dever de motivar as decisões judiciárias são elevadas a nível constitucional (arts. 5º, inc. LX, e 93, inc. IX).

As provas obtidas por meios ilícitos são consideradas inadmissíveis e, portanto, inutilizáveis no processo (art. 5º, inc. LVI).

A garantia da inviolabilidade do domicílio é outro preceito processual-constitucional (art. 5º, XI); Idem o sigilo das comunicações em geral e de dados. Somente as telefônicas podem ser interceptadas, sempre segundo a lei e por ordem judicial, mas restrita à colheita de provas penais (art. 5º, XII).

Há ainda garantias específicas para o processo penal: a) presunção de inocência do acusado (art. 5º, LVIII); b) vedação da identificação criminal datiloscópica de pessoas já identificadas civilmente, ressalvadas as hipóteses previstas em lei (art. 5º, LVIII); c) indenização pelo erro judiciário e pela prisão que supere os limites da condenação (art. 5º, LXXV); d) a prisão, ressalvadas as hipóteses do flagrante e das transgressões e crimes militares, só pode ser ordenada pela autoridade judiciária competente (art. 5º, inc. LXI).

[Por força dessa garantia, os dispositivos legais que previam as chamadas prisões administrativas foram revogados[13] e, por via de conseqüência, está vedada qualquer possibilidade de prisão para averiguações, determinada por qualquer autoridade que não seja a judiciária competente.]

Hoje, mais do que nunca, a justiça penal e a civil são informadas pelos dois grande princípios constitucionais: o acesso à jurisdição e o devido processo legal. Destes decorrem todos os demais postulados indispensáveis à asseguração do direito à ordem jurídica justa. A ordem não é exaustiva, já que o art. 5º, § 2º adverte que: "os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte". (direito à prova, por exemplo, como corolário do contraditório e da ampla defesa).

7.4 A Constituição atual e o direito anterior

Como se disse, sendo a CF a base de toda a ordem jurídica, a rigor de lógica, a promulgação da nova ordem constitucional deveria ter como efeito a perda de eficácia, não só da Constituição precedente, mas de todas as normas editadas na conformidade dela.

Contudo, por razões de ordem prática, não se adota esse critério. Entende-se, por isso, que as normas ordinárias anteriores, que não sejam incompatíveis com a nova ordem Constitucional, persistem vigentes e eficazes, em face do fenômeno da recepção. Renovando-as, a nova ordem constitucional devolve-lhes de imediato a eficácia. Obviamente, as normas precedentes incompatíveis não são recepcionadas pela nova ordem, perdendo vigência e eficácia.

Nesse passo, discute-se se a Constituição nova revoga as normas anteriores incompatíveis. Com ou sem revogação, porém, não há dúvida de que essas normas, por incompatibilidade com a lei magna, perdem eficácia.

A CF atual provocou profundas alterações no sistema processual, algumas dependendo de complementação legislativa, outras de eficácia plena. Destacam-se: a) titularidade absoluta da ação penal pelo MP (CF, art. 129, I), com abolição dos processos criminais instaurados pela Polícia ou pelo Juiz, tendo como conseqüência, a supressão do disposto no art. 17 da LCP e arts. 26 e 530-531 do CPP; b) a proibição de identificação criminal de pessoa com identificação civil (CF., art. 5º, LVIII), com reflexo no art. 6º, VIII, do CPP; c) a impossibilidade de prisão pela autoridade que preside o inquérito, prevista pela LSN, em face do inc. LXI do art. 5º; d) a necessária adequação dos arts. 186 e 198 do CPP à plena garantia do direito ao silêncio, garantido pelo art. 5º, LXIII, da CF; e) a perda de eficácia do art. 240, f, do CPP, em face da inviolabilidade absoluta do sigilo de correspondência (art. 5º, XII); a compatibilização das normas atinentes às buscas domiciliares (CPP. 240/241), em consonância com regra do mando judicial (art. 5º, XI).

Podemos, assim, agrupar os inúmeros dispositivos constitucionais, relativos ao sistema processual, em três categorias:

a) princípios e garantias constitucionais do processo (devido processo legal, contraditório, ampla defesa, inafastabilidade do controle jurisdicional; presunção de inocência do acusado; dever de motivação das decisões judiciais, vedação de provas ilícitas etc.);

b) jurisdição constitucional das liberdade (habeas-corpus, mandado de segurança individual e coletivo, habeas-data, mandado de injunção, ação popular, ação civil pública, ação de inconstitucionalidade por omissão etc.);

c) organização judiciária (inovando na estrutura judiciária nacional, com a criação do STJ, TRF e o juiz de paz eletivo, autorizando a instituição de juizados especiais para causa cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo.

V – NORMA PROCESSUAL

8. Norma Processual: natureza e objeto

8.1 Norma material e norma instrumental

Objeto imediato: distinguem-se, geralmente, as normas jurídicas em normas materiais e normas instrumentais. Aquelas, normas materiais, são as contidas, em regra, no Direito material que disciplinam as relações entre as pessoas e os direitos e as obrigações, visando prevenir conflitos entre os titulares desses direitos e obrigações, apontando, em caso de divergência entre os pretensos titulares, qual dos interesses conflitantes, e em que medida, deve prevalecer e qual deve ser sacrificado. As normas instrumentais, por seu turno, são as contidas, em regra, no Direito Processual que, apenas de forma indireta, contribuem para a resolução dos conflitos interindividuais, mediante a disciplina da criação e atuação das diretrizes jurídicas gerais ou individuais destinadas a compô-los de imediato.

Pode-se dizer que, na categoria das normas instrumentais incluem-se as normas processuais que regulam a imposição da regra jurídica individual e concreta aplicável a uma determinada situação litigiosa.

Pelo prisma da atividade jurisdicional, em que se desenvolve o processo, percebe-se que as normas jurídicas materiais constituem o critério de julgar, de modo que, uma vez inobservadas pelo julgador, dão lugar ao error in iudicando; ao passo que as normas jurídicas processuais constituem o critério do proceder, de maneira que, em sendo desobedecidas, ensejam a ocorrência do error in procedendo.

8.2 Natureza da norma processual

A norma processual tem a natureza de direito público, o que significa que a relação jurídica que se estabelece no processo não é uma relação de coordenação apenas, mas de poder de sujeição, predominando o interesse público (resolução processual e, pois, pacífica do conflito) sobre os interesses divergentes do litigantes. Isto não significa, porém, que a norma processual seja sempre de aplicação necessariamente cogente. Em certas situações, embora inexista processo convencional, admite-se que a aplicação da norma processual fique na dependência da vontade das partes (normas dispositivas). Ex. distribuição do ônus da prova (art. 333, § ún.); eleição do foro (art. 111).

8.3 Objeto da norma processual

O objeto das normas processuais é a disciplina do modo processual de resolver os conflitos e controvérsias mediante a atribuição ao juiz dos poderes necessários para resolvê-los e, às partes, de faculdades e poderes destinados à eficiente defesa de seus direitos, além da correlativa sujeição à autoridade exercida pelo juiz. A norma jurídica qualifica-se por seu objeto e não por sua localização neste ou naquele corpo de leis.

É praxe falar-se em três classes de normas processuais: a) normas de organização judiciária, que tratam primordialmente da criação e estrutura dos órgãos judiciários e seus auxiliares; b) normas processuais em sentido estrito, que cuidam do processo como tal, atribuindo poderes e deveres processuais; c) normas procedimentais, que dizem respeito apenas ao modus procedendi, inclusive a estrutura e coordenação dos atos processuais que compõem o processo.

VI – FONTES DA NORMA PROCESSUAL

9.1 Fontes do direito em geral

Fontes são os meios pelos quais se formam ou pelos quais se estabelecem as normas jurídicas. Fontes do Direito, portanto, nada mais são que as formas pelas quais as regras jurídicas se exteriorizam, se apresentam. São, enfim, modos de expressão do Direito.

Várias são as classificações dessas fontes. Ao nosso estudo interessa a divisão das fontes em fontes diretas ou imediatas e fontes indiretas ou mediatas.

Fontes diretas ou imediatas são as constituídas pela lei (lei em sentido amplo, incluindo a Constituição e as leis em geral, inclusive os atos normativos do poder executivo), emanada de qualquer órgão estatal na esfera de sua própria competência. Como fonte direta ou imediata também se inclui o negócio jurídico.

Fontes indiretas ou mediatas são aquelas que, embora não contenham a norma, produzem-na indiretamente. Assim são considerados como tais: os costumes, a jurisprudência e os princípios gerais de direito.

Costume é o uso geral, constante e notório, observado sob a convicção de corresponder a uma necessidade jurídica. Ninguém contesta o extraordinário valor do costume na formação do Direito, porquanto, até a organização do Estado, o Direito nada mais era que um “estratificação dos costumes”, e, ademais, os corpos legislativos da antigüidade mais remota foram condensações dos costumes [CC, arts. 588 (§ 2º); 1.192 (II); 1.210, 1.215, 1.218, 1.219, 1.221 e 1.242: costume secundum legem][14].

Jurisprudência é aquele reiterado pronunciamento dos órgãos jurisdicionais sobre casos idênticos. Há quem conteste a força criadora da decisão judicial, mas a doutrina majoritária a concebe como tal fonte indireta do direito.

Princípios Gerais do Direito. Não há na doutrina uniformização conceitual a respeito dos princípios gerai do direito. Entretanto, a maioria identifica-os com os brocardos jurídicos “que nada mais representam que a condensação de soluções e de noções tradicionais do nosso ordenamento jurídico. No caso, tais princípios seriam aqueles que servem de base e fundamento à legislação vigente.

O direito não se confunde com a lei, nem a esta se reduz aquele. Em nosso direito, contudo, adota-se o primado da lei sobre as demais fontes do direito (positivismo).

9.2 Fontes da norma processual

As fontes diretas da norma processual são as mesmas do direito em geral: A lei, negócio jurídico, como fonte diretas, e, como fontes indiretas os costumes, para alguns, a jurisprudência e os princípios gerais do direito..

A lei, em sentido amplo, como fonte abstrata da norma processual, abrange, em primeiro lugar, as disposições de ordem constitucional sobre o processo, divididas em três ordens: a) princípios e garantias; b) jurisdição constitucional das liberdades; c) organização judiciária. Também a Lei Compl. e as demais espécies legislativas, inclusive as Constituições Estaduais, podem ser consideradas fontes formais da norma processual. No mesmo plano das leis em geral, são fontes legislativas da norma processual as convenções e tratados internacionais.

Por último, ainda no plano materialmente legislativo, embora subjetivamente judiciário, há também o poder normativo atribuído aos Tribunais em geral que, através de seu regimento interno, disciplinam as chamadas questões interna corporis.

10. EFICÁCIA DA LEI PROCESSUAL NO ESPAÇO E NO TEMPO

10.1 Dimensões da norma processual - A norma jurídica tem eficácia limitada no espaço e no tempo, ou seja, aplica-se apenas dentro de dado território e por um certo período de tempo. Tais limitações também se aplicam à norma processual.

10.2 Eficácia da norma processual no espaço - O critério que regula a eficácia espacial das normas de processo é o da territorialidade, que impõe sempre a aplicação da lex fori. No que concerne às leis processuais a aplicação desse princípio justifica-se por uma razão de ordem política e por outra de ordem prática.

Num primeiro plano, a norma processual tem por escopo precisamente a disciplina da atividade jurisdicional que se desenvolve através do processo, como manifestação soberana do poder estatal e por isso, obviamente, não poderia ser regulada por leis estrangeiras sem inconvenientes para a boa convivência internacional.

Em segundo lugar, certamente, surgiriam dificuldades de ordem prática quase insuperáveis com a movimentação da máquina judiciária de um Estado soberano mediante atividades regidas por normas e institutos do direito alienígena. Ex.: o transplante para o Brasil de uma ação de indenização proposta de acordo com as leis americanas, com a instituição do júri civil.

A territorialidade da aplicação da lei processual é expressa pelo art. 1º do Código de Processo Civil, assim transcrito: "a jurisdição civil, contenciosa e voluntária, é exercida pelos juízes em todo o território nacional, conforme as disposições que este Código estabelece", bem como pelo art. 1º do CPP: "O processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, por este código ...".

Isso não significa, porém, que o juiz nacional deva, em qualquer circunstância, ignorar a regra processual estrangeira. Em determinadas situações ele tem até por dever referir-se à lei processual alienígena, como quando esta constitui pressuposto para a aplicação da lei nacional (cfr, CPC, art. 231, § 1º).

Não se confunde com a aplicação da lei processual extranacional a aplicação da norma material estrangeira referida pelo direito processual brasileiro: ex.: quando o art. 7º do Código de Processo Civil alude à capacidade das partes para o exercício dos seus direitos, pode ensejar que a capacidade seja aferida conforme critérios estabelecidos pela lei civil estrangeira (tb. CPC, art. 337). A intrincada disciplina que rege a aplicação da lei estrangeira, que integra o direito internacional privado, é regulada, no Brasil, pelos arts. 7-11 da Lei de Introdução do Código Civil.

10.3 Eficácia da norma processual no tempo - Como as normas jurídicas em geral, as normas processuais são limitadas também no tempo, respeitadas as regras que compõem o direito processual intertemporal:

a) A LICC disciplina a eficácia temporal das leis. Salvo disposição em contrário, a lei processual começa a vigorar, em todo o país, quarenta e cinco dias depois de publicada; se, antes de entrar em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, o prazo começará a correr da nova publicação (LICC, art. 1º e §§ 3º e 4º);

b) incidindo sobre situações (conceitualmente) idênticas, surge o problema de estabelecer qual das leis - se a anterior ou a posterior - deve regular uma determinada situação concreta. Como o processo se constitui por uma série de atos que se desenvolvem e se praticam sucessivamente no tempo (atos processuais, integrantes de uma cadeia unitária, que é o procedimento), torna-se particularmente difícil e delicada a solução do conflito temporal de leis processuais.

Sem dúvida, as leis processuais novas não incidem sobre processos findos, acobertados seja pela coisa julgada, seja pela garantia ao ato jurídico perfeito, seja pelo direito adquirido, reconhecido pela sentença ou resultante dos atos executivos. Os processos a serem iniciados na vigência da lei nova por esta serão regulados.

Questão que se coloca é apenas no tocante aos processos em andamento por ocasião do início de vigência da lei nova. Três sistemas diferentes poderiam hipoteticamente ter aplicação, na resolução do problema: a) o da unidade processual, segundo o qual, apesar de se desdobrar em uma série de atos diversos, o processo apresenta tal unidade que somente poderia ser regulado por uma única lei, a nova ou a velha, de modo que a velha teria de se impor para não ocorrer a retroação da nova, com prejuízo dos atos já praticados até sua vigência; b) o das fases processuais, para o qual distinguir-se-iam fases processuais autônomas (postulatória, ordinatória, instrutória, decisória e recursal), cada uma suscetível, de per si, de ser disciplinada por uma lei diferente; c) o do isolamento dos atos processuais, segundo o qual a lei nova não atinge os atos processuais já praticados, nem seus efeitos, mas se aplica aos atos processuais a praticar, sem limitações relativas às chamadas fases processuais.

Esse último sistema tem contado com a adesão da maioria dos autores e foi expressamente consagrado pelo art. 2º do Código de Processo Penal: " a lei processual aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior". E, conforme entendimento de geral aceitação pela doutrina brasileira, o dispositivo transcrito contém um princípio geral de direito intertemporal que também se aplica, como preceito de superdireito, às normas de direito processual civil. Ver art. 1211 do CPC, confirmando a regra ao estabelecer que: "ao entrar em vigor, suas disposições aplicar-se-ão desde logo aos processos pendentes".

11. INTERPRETAÇÃO DA LEI PROCESSUAL

11.1 Interpretação da lei, seus métodos e resultados

Interpretar a lei consiste em determinar o seu significado e fixar o seu alcance. É descobrir ou revelar a vontade contida na norma, ou como diz Clóvis Bevilacqua, é revelar o pensamento que anima as suas palavras. A interpretação pode ser: a) autêntica – quando feita pelo próprio legislador; b) doutrinal – é a feita pelos juris scriptores, pelos comentadores, pelos doutrinadores. A interpretação doutrinal, produto de pesquisas dos juristas, é de valor enexcedível. E seu prestígio será tanto maior quanto maior for o seu prestígio; c) judicial – é aquela levada a efeito pelos juízes e Tribunais na solução dos casos concretos, dentro dos processos. Embora não exista ainda a súmula vinculante, é ela de extraordinária importância, pois quando uniforme, duradoura e repetida, forma a jurisprudência, que, segundo alguns, pode ser considerada como fonte do direito.

Como as leis se expressam por meio de palavras, o intérprete deve analisá-las, tanto individualmente como na sua sintaxe: é o (1) método gramatical ou filológico.

Quando o intérprete se serve de regras gerais do raciocínio para compreender o espírito da lei, fala-se em (2) interpretação lógica ou teleológica, porquanto visa precisar a genuína finalidade da lei, a vontade nela manifestada. A interpretação lógica no furto privilegiado/qualificado. A lógica que rege a interpretação é a lógica dos fatos, é a viva voz da realidade. Mesmo na interpretação gramatical ou literal a lógica deve ser levada em conta.

Por outro lado, os dispositivos legais não têm existência isolada, mas inserem-se organicamente em um sistema, que é o ordenamento jurídico, em recíproca dependência com as demais regras de direito que o integram. Aqui, o intérprete deve pôr a norma em relação com o conjunto de todo o Direito vigente e com as regras particulares de Direito que têm pertinência com elas. Assim, para serem entendidos devem ser examinados em suas relações com as demais normas que compõem o ordenamento e à luz dos princípios gerais que o informam: é o (3) método sistemático ou lógico-sistemático.

Ademais, considerando que o direito é um fenômeno histórico-cultural, obviamente que a norma jurídica somente se revela por inteiro quando colocada a lei na sua perspectiva histórica, com o estudo das vicissitudes sociais de que resultou e das aspirações a que correspondeu: é o (4) método histórico. A pesquisa do processo evolutivo da lei, ou seja, a história da lei ou a história dos seus precedentes auxilia o aclaramento na norma. Os projetos de leis, as discussões durante sua elaboração, Exposição de Motivos, as obras científicas do autor da lei são elementos valiosos de que se vale o intérprete para a interpretação.

Não se poderia olvidar também que os ordenamentos jurídicos, além de enfrentarem problemas comuns ou análogos, avizinham-se e se influenciam mutuamente: partes-se, portanto, para o (5) método comparativo.

A combinação de todas essas pesquisas, aliada à consciência do conteúdo finalístico e valorativo do direito, completa a atividade de interpretação da lei.

Segundo o resultado dessa atividade, a interpretação será declarativa, extensiva, e restritiva.

É declarativa a interpretação que atribui à lei o exato sentido proveniente do significado das palavras que a expressam.

É extensiva quando a interpretação considera a lei aplicável a casos que não estão abrangidos pelo seu teor literal.

É restritiva a interpretação que limita o âmbito de aplicação da lei a um círculo mais restrito de casos do que o indicado pelas suas palavras.

12. Interpretação e integração

12.1 O Direito e as lacunas da Lei

O direito, considerado como ordenamento jurídico, não apresenta lacunas: sempre haverá no ordenamento jurídico, ainda que latente e inexpressa, uma regra para disciplinar cada possível situação ou conflito entre pessoas.

O mesmo não acontece com a lei; por mais imaginativo e previdente que fosse o legislador, jamais conseguiria através da norma jurídica todas as situações que a multifária riqueza da vida social, nas suas constantes mutações, poderá ensejar. Muitas vezes depara-se com situações conflituosas não previstas pelo legislador. Mas, como é intolerável a permanência de situações indefinidas perante o direito, torna-se então necessário o preenchimento da lacuna da lei. A essa atividade dá-se o nome de integração. " O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei" (CPC, art. 126).

E o preenchimento das lacunas da lei faz-se, basicamente, através da analogia e dos princípios gerais do direito. A analogia consiste na resolução de um caso não previsto em lei, mediante a utilização de regra jurídica relativa a hipótese semelhante. Por coerência, chega-se à formulação de regras idênticas onde se verifica a identidade da razão jurídica. Distingue-se a interpretação extensiva da analogia, no sentido de que a primeira é extensiva do significado textual da norma e a última é extensiva da intenção do legislador, da própria disposição. Se a analogia não permite a solução do problema, deve-se recorrer aos princípios gerais do direito, que compreendem não apenas os princípios decorrentes do próprio ordenamento jurídico, como ainda aqueles que o informam e lhe são preexistentes e transcendentes.

Interpretação e integração comunicam-se funcionalmente e se completam mutuamente para os fins de revelação do direito. Ambas têm caráter criador, no campo jurídico, pondo em contato direto as regras de direito e a vida social e assim extraindo das fontes a norma que regem os casos submetidos a exame.

12.2 Interpretação e integração da lei processual

São as mesmas regras de interpretação e integração dos demais ramos do direito que se aplicam à exegese do direito processual. Aliás, o art. 3º do CPP, para evitar dúvidas deixou explícito: " a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito".

Prevalece o entendimento entre os processualistas no sentido de acentuar a relevância da interpretação sistemática da lei processual. Os princípios gerais do processo, inclusive aqueles ditados em nível constitucional, estão presentes em toda e qualquer norma processual e à luz dessa sistemática geral todas as disposições processuais devem ser interpretadas.

13. DA JURISDIÇÃO

13.1 Conceito de jurisdição:

A Jurisdição, já delineada em sua finalidade fundamental, no decorrer de nossas aulas, podemos arrematar dizendo que se trata de uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em disputa para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça.

Essa pacificação é realizada mediante a atuação da vontade do direito objetivo que rege o caso apresentado em concreto para ser solucionado; e o Estado desempenha essa função sempre mediante o processo, seja expressando imperativamente o preceito (através de sentença de mérito), seja realizando no mundo das coisas o que o preceito estabelece (através da execução forçada).

Já dissemos que a jurisdição é uma função do Estado e seu monopólio. Além disso, podemos dizer que a jurisdição é, ao mesmo tempo, poder, função e atividade.

Como poder, a jurisdição é a manifestação do poder estatal, conceituado como capacidade de decidir imperativamente e impor decisões. Como função, expressa o encargo que têm os órgãos estatais de promover a pacificação de conflitos interindividuais, mediante a realização do direito justo e através do processo. E, como atividade, a jurisdição é entendida como o complexo de atos ao juiz no processo, exercendo o poder e cumprindo a função que a lei lhe comete. Esses três atributos somente transparecem legitimamente através do processo devidamente estruturado (devido processo legal).

Jurisdição é, pois, ato de soberania. Consiste em um poder-dever do Estado, através do Poder Judiciário, de declarar e fazer efetivo o direito, aplicando a lei aos casos concretos.

13.2 Principais características da Jurisdição:

a) Caráter substitutivo da jurisdição: Ao exercer a jurisdição, o Estado substitui, como uma atividade sua, as atividades daqueles que estão envolvidos no conflito trazido à sua apreciação. Não cumpre a nenhuma das partes interessadas dizer definitivamente se a razão está com uma ou com a outra; nem pode, senão excepcionalmente, quem tem uma pretensão invadir a esfera jurídica alheia para satisfazer-se. Apenas o Estado pode, como vimos, em surgindo o conflito, substituir-se às partes e dizer qual delas tem razão.

Essa proposição, que no processo civil encontra algumas exceções (casos raros de autotutela, e de autocomposição), é de validade absoluta no processo penal: Não é possível o exercício do direito de punir independentemente do processo e não pode o acusado submeter-se voluntariamente à aplicação da pena.

b) Escopo jurídico de atuação do direito: O Estado, ao instituir a jurisdição visou a garantir que as normas de direito substancial contidas no ordenamento jurídico efetivamente conduzam aos resultados nelas enunciados, ou seja: que se atinjam, na experiência concreta, aqueles resultados práticos que o direito material preconiza. O escopo jurídico, pois, da jurisdição é a atuação (cumprimento, realização) das normas de direito substancial (direito objetivo). Em outras palavras: o escopo da jurisdição seria, então, a correta aplicação do direito e a justa composição da lide, ou seja, o estabelecimento da norma de direito material que disciplina o caso, dando a cada um o que é seu.

13.3 Outras características da jurisdição (lide, inércia, definitividade)

c) Lide: A existência do conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida é uma característica constante na atividade jurisdicional, quando se trata de pretensões insatisfeitas que poderiam ter sido atendidas espontaneamente pelo obrigado. É esse conflito de interesses que leva o suposto prejudicado efetivo ou virtual a dirigir-se ao juiz e a pedir-lhe a tutela jurisdicional, solucionando a pendência; e é precisamente a contraposição dos interesses em conflito que exige a substituição das atividades dos sujeitos conflitantes pelo Estado.

d) Inércia: é também característica da jurisdição o fato de que os órgãos jurisdicionais são, por sua própria índole, inertes (nemo judex sine actore; ne procedat judex ex officio). Isto significa que a o exercício espontâneo da atividade jurisdicional acabaria sendo contraproducente, pois sendo sua finalidade a pacificação social, sua atuação sem a provocação do interessado viria, em muitos casos, fomentar conflitos e discórdias, lançando desavenças onde não existiam.

Além disso, a experiência ensina que quando o próprio juiz toma a iniciativa de instaurar o processo ele se liga psicologicamente de tal maneira à idéia contida no ato de iniciativa, que dificilmente teria condições para julgar imparcialmente. Por isso, fica geralmente ao critério do próprio interessado a provocação do Estado-juiz ao exercício da função jurisdicional: assim como os direitos subjetivos são em princípio disponíveis, podendo ser exercidos ou não, também o acesso aos órgãos jurisdicionais fica entregue ao poder dispositivo do interessado.

Mas mesmo no tocante aos direitos indisponíveis a regra da inércia jurisdicional prevalece. É certo que o titular da pretensão punitiva (Ministério Público) não tem sobre ela o poder de livre disposição, de modo que pudesse cada promotor, a seu critério, propor ação penal ou deixar de fazê-lo. Vige aí o chamado princípio da obrigatoriedade, que subtrai do órgão titular da pretensão punitiva a apreciação da conveniência e oportunidade da instauração do processo para a persecução dos delitos de que tenta notícia.

Mesmo assim, todavia, o processo não se instaura ex officio, mas mediante provocação do Ministério Público (ou do ofendido, nos casos excepcionais de ação penal de iniciativa privada).

É, então, sempre uma insatisfação que motiva a instauração do processo. O titular de uma pretensão (penal, civil, trabalhista, tributária, administrativa, etc.) vem a juízo pedir a prolação de um provimento que, eliminando a resistência, satisfaça a sua pretensão e com isso elimine o estado de insatisfação

É, assim, através da ação que se vence a inércia a que estão obrigados os órgãos jurisdicionais através de dispositivos legais como o do art. 2º do CPC ("nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e formas legais")e o do art. 24 e 30 do CPP os quais estabelecem quem são os titulares da ação penal.

Somente em casos especialíssimos, a própria lei institui certas exceções à regra da inércia dos órgãos jurisdicionais. Assim, v.g., pode o juiz, de ofício, declarar a falência de um comerciante, quando, no curso do processo de concordata, verifica que falta algum requisito para esta (LF, art. 162); a execução trabalhista pode instaurar-se por ato do juiz (CLT, art. 878); o habeas corpus pode conceder-se de ofício (CPP, art. 654, § 2º); a execução penal também se instaura de ofício, ordenando o juiz a expedição da carta de guia para o cumprimento da pena (LEP, art. 105).

e) Definitividade: outra característica importante da jurisdição é que os atos jurisdicionais e só eles são suscetíveis de se tornarem imutáveis, não serem revistos ou modificados. A CF, como a da generalidade dos países, estabelece que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada" (art. 5º, inc. XXXVI). Coisa julgada é a imutabilidade dos efeitos de uma sentença, em virtude da qual nem as partes podem repropor a mesma demanda em juízo ou comportar-se de modo diferente daquele preceituado, nem os juízes podem voltar a decidir a respeito, nem o próprio legislador pode emitir preceitos que contrariem, para as partes, o que já ficou definitivamente julgado. No Estado de Direito, só os atos jurisdicionais podem chegar a esse grau de imutabilidade. Ao judiciário cabe a última palavra.

14. PRINCÍPIOS INERENTES À JURISDIÇÃO

14.1 A jurisdição, como função estatal de dirimir conflitos interindividuais, é informada por alguns princípios fundamentais que, com ou sem expressão na própria lei, são universalmente reconhecidos. Ei-los: a) investidura; b) aderência ao território; indelegabilidade; d) inevitabilidade; e) inafastabilidade ou indeclinabilidade; f) juiz natural; g) inércia.

14.1.1 O princípio da investidura significa que a jurisdição só será exercida por quem tenha sido regularmente investido na autoridade de juiz.

14.1.2 O princípio da aderência ao território corresponde à limitação da própria soberania nacional ao território do país. Como os demais órgãos dos demais poderes constitucionais, os magistrados só têm autoridade nos limites territoriais do Estado. Além disso, como os juízes são muitos no mesmo pais, distribuídos em comarcas (Justiças Estaduais) ou seções judiciárias (Justiça Federal), também se infere daí que cada juiz só exerce a sua autoridade nos limites do território sujeito por lei à sua jurisdição. Atos fora do território em que o juiz exerce a jurisdição depende da cooperação do juiz do lugar (carta precatória e rogatória).

14.1.3 O princípio da indelegabilidade resulta do princípio constitucional segundo o qual é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições. Como dos demais Poderes, a CF. fixa o conteúdo das atribuições do Poder Judiciário e não pode a lei, nem pode muito menos alguma deliberação dos seus próprios membros alterar a distribuição feita naquele nível jurídico-positivo superior. Nem mesmo pode um juiz, atendendo seu próprio critério e talvez atendendo à sua própria conveniência, delegar funções a outro órgão. É que cada magistrado, exercendo a função jurisdicional, não o faz em nome próprio e muito menos por um direito próprio, mas o faz em nome do Estado, agente deste que é.

Exceções: delegação pelo STF, de competência para execução forçada (art. 102, inc. I, m), e as dos arts. 201 e 492 do Código de Processo Civil (cartas de ordem). A realização de atos judiciais através de Carta Precatória não pressupõe delegação de poderes, mas impossibilidade de praticar ato processual fora dos limites da comarca (limite territorial do poder), urgindo que o juiz deprecante peça a cooperação do órgão jurisdicional competente. Seria contra-senso afirmar que o juiz delega um poder que ele próprio não tem, por ser incompetente.

14.1.4 O princípio da inevitabilidade significa que a autoridade dos órgãos jurisdicionais, sendo uma emanação da soberania estatal, impõe-se por si mesma, independentemente da vontade das partes ou de eventual pacto de aceitarem os resultados do processo; a situação das partes perante o Estado-juiz é de sujeição, que independe de sua vontade e consiste na impossibilidade de evitar que sobre elas e sobre sua esfera de direitos se exerça a autoridade estatal.

14.1.5 O princípio da inafastabilidade da jurisdição (ou princípio do controle jurisdicional ou princípio da indeclinabilidade), expresso no art. 5º, XXXV, da CF, garante a todos o acesso ao Poder Judiciário, o qual não pode deixar de atender a quem venha a juízo deduzir uma pretensão fundada no direito e pedir solução para ela. Não pode a lei "excluir da apreciação do Poder judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito", nem pode o juiz, a pretexto de lacuna ou obscuridade da lei, escusar-se de proferir decisão (CPC, art. 126).

14.1.6 O princípio do juiz natural assegura que ninguém pode ser privado do julgamento por juiz independente e imparcial, indicado pelas normas constitucionais e legais, proibindo a CF os denominados tribunais de exceção, instituído para o julgamento de determinadas pessoas ou de crimes de determinada natureza, sem previsão constitucional (art. 5º, XXXVII).

14.1.7 Do princípio da inércia, já falamos muito, o qual está relacionado com a justa composição da lide e a imparcialidade do juiz que estariam comprometidas se se cometesse ao julgador a incumbência de agir de ofício, sem a provocação do interessado na solução do litígio.

14.2 Extensão da jurisdição

No direito romano, a jurisdição não abrangia o poder do juiz tornar efetiva a atividade jurisdicional, através do processo de execução do julgado. A pouca participação que inicialmente tinha o juiz na execução forçada fundava-se em outro poder (imperium) e não na jurisdição. Essa idéia persistiu no direito intermédio francês, no italiano e no alemão. Atualmente, prevalece largamente a opinião dos que consideram a execução autêntica atividade jurisdicional.

14.3 Elementos da jurisdição e poderes jurisdicionais

Considerando que o direito pátrio utiliza o termo jurisdição para exprimir o conhecimento da causa, seu julgamento e execução, assim como o poder-dever de impor as sanções legais, a doutrina conclui que as autoridades judiciárias têm a jurisdição dos romanos e o imperium, que compreende: o direito de conhecer, ordenar, julgar, punir, e constranger à execução.

14.3.1 Elementos da jurisdição: conforme clássica concepção, a jurisdição é composta dos seguintes elementos:
a) Notio – que significa a faculdade de conhecer certa causa, ou de ser regularmente investido na faculdade de decidir uma controvérsia, aí compreendidos a ordenar os atos respectivos.
b) Vocatio – quer dizer a faculdade de fazer comparecer em juízo todos aqueles cuja presença seja útil à justiça e ao conhecimento da verdade.
c) Coercio – (ou coertitio) – que é o direito de fazer-se respeitar e de reprimir as ofensas feitas ao magistrado no exercício de suas funções: jurisdictio sine coertitio nula est.
d) Iudicium – direito de julgar e de pronunciar a sentença.
e) Executio – direito de em nome do poder soberano, tornar obrigatória e coativa a obediência à próprias decisões.

14.4 Poderes da jurisdição: a doutrina moderna elenca três poderes jurisdicionais, que são:
a) Poder de decisão – que significa que o Estado-juiz, através da provocação do interessado, em derradeira análise, afirma a existência ou a inexistência de uma vontade concreta da lei, por dois modos e com diferentes efeitos. Por um desses modos afirma uma vontade concernente às partes, através de uma decisão de mérito, com efeito de “coisa julgada”, significando que a sentença se tornou irrevogável (coisa julgada formal), e reconhecendo um bem a uma parte , tem o efeito de garanti-lo para o futuro, no mesmo ou em outros processos (coisa julgada material ou substancial). Pelo outro dos modos, afirma uma vontade da lei referente ao dever do juiz de pronunciar-se quanto ao mérito das questões que lhe são trazidas à apreciação. Aqui, o juiz se pronuncia sobre a sua própria atividade, como um dever inerentes à sua função, não reconhecendo, nem negando o bem da vida à parte. Essa decisão, quando se torna irrevogável, não produz “coisa julgada substancial”, operando apenas a preclusão da questão, com efeitos limitados ao processo, sem obrigar outros processos.
b) Poder de coerção (ou poder de polícia) – manifesta-se com maior intensidade no processo de execução, embora também presente no processo de cognição. Ex. o ato de notificação e citação. Se o destinatário se recusa a receber materialmente o mandado, esse comportamento gera o efeito de ser considerado entregue. Como decorrência desse poder, o juiz pode determinar a remoção de obstáculos opostos ao exercício de suas funções. Os presentes à audiência (partes, advogados, ou qualquer outro profissional ou pessoa) estão sujeitos ao poder de quem a preside, que pode admoestá-los e até mandá-los retirar-se do recinto. A testemunha tem o dever de comparecer à audiência, sob pena de condução coercitiva. O órgão jurisdicional pode requisitar a força policial para vencer qualquer resistência ilegal à execução de seus atos.
c) Poder de documentação – é aquele que resulta da necessidade de documentar, de modo a fazer fé, de tudo que ocorre perante os órgãos judiciais ou sob sua ordem (termos de assentada, de constatação, de audiência, de provas, certidões de notificações, de citações etc.)

14.5 Espécies de jurisdição

14.5.1 Unidade da jurisdição – como expressão da soberania estatal, a jurisdição não comporta divisões. Falar em diversas jurisdições seria o mesmo que afirmar a existência de uma pluralidade de soberanias, o que não faria sentido. A jurisdição é, portanto, tão una e indivisível quanto o próprio poder soberano. A doutrina, porém, fazendo embora tais ressalvas, costuma falar em espécies de jurisdição, como se esta comportasse classificação em categorias.

Classifica-se, pois, a jurisdição nas seguintes espécies: a) pelo critério do seu objeto em jurisdição penal ou civil; b) pelo critério dos organismos judiciários que a exercem, em especial ou comum; c) pelo critério da posição hierárquica dos órgãos que a exercem , em inferior e superior; d) pelo critério da fonte do direito com base na qual é proferido o julgamento, em jurisdição de direito ou de eqüidade.

14.5.2 Jurisdição penal ou civil – a atividade jurisdicional é exercida tendo por objeto uma pretensão que varia de natureza conforme o direito objetivo material em que se fundamenta. Há, assim, causas penais, civis, comerciais, administrativas, tributárias etc. Com base nisso, é comum dividir-se o exercício da jurisdição os juízes, dando a uns a competência para apreciar as pretensões de natureza penal e a outros as demais. Fala-se, assim, em jurisdição penal (causas penais, pretensões punitivas) e jurisdição civil (por exclusão, causas e pretensões não-penais). A expressão "jurisdição civil", aí, é empregada em sentido bastante amplo, abrangendo toda a jurisdição não-penal.

A jurisdição penal é exercida pelos juízes estaduais comuns, pela Justiça Militar estadual, pela Justiça Militar federal, pela Justiça Federal e pela Justiça Eleitoral; em suma, apenas a Justiça do Trabalho é completamente desprovida de competência penal. A jurisdição civil, em sentido amplo, é exercida pela Justiça estadual, pela Justiça federal, pela Justiça Trabalhista e pela Eleitoral; só a Justiça Militar não a exerce.

14.5.3 Relacionamento entre jurisdição penal e civil – apenas por conveniência de trabalho se justifica a distribuição dos processos segundo esse e outros critérios, pois na realidade não é possível isolar-se completamente uma relação jurídica de outra, um conflito interindividual de outro na certeza de que nunca haverá pontos de contato entre eles. Em verdade o ilícito penal não difere em substância do ilícito civil, sendo distinta apenas a sanção que os caracteriza; a ilicitude penal é, ordinariamente, mero agravamento de uma preexistente ilicitude civil, destinada a reforçar as conseqüências da violação de dados valores, que o Estado faz especial empenho de preservar.

Assim, quando alguém pratica um furto emergem daí duas conseqüências que, perante o direito, o agente deve suportar: a) obrigação de restituir o objeto furtado (natureza civil); b) sujeição às penas do art. 155 do Código Penal. Outro exemplo: a quem contrai novo casamento, sendo casado, o direito impõe duas conseqüências: a) a nulidade do segundo casamento - CC, art. 183, VI (sanção civil); b) sujeição à pena de bigamia (CP, art. 235).

Do exposto resulta que não seria conveniente atribuir competência civil a determinados juízes e penal a outros, sem deixar qualquer traço de contato entre eles, não possibilitando qualquer influência da esfera cível na penal ou vice-versa. Assim, o sistema, em alguns dispositivos legais, estabelece, ora a prevalência da decisão civil como prejudicial da decisão penal, ora dispõe que o decidido na campo penal faz coisa julgada no cível.

Assim, se alguém está sendo processado criminalmente e para o julgamento dessa acusação seja relevante o deslinde de uma questão cível, determina-se a suspensão do processo criminal até a solução da pendência agitada no processo cível (CPP, art. 92 a 94).

Vejam por exemplo um caso em que alguém esteja sendo acusado de ter cometido um crime de bigamia e alegue que o primeiro casamento era nulo. Em sendo verdadeira a alegação, inexiste o crime (CP, art. 235, § 2º). Contudo, não compete ao juiz criminal perquirir a validade do casamento, nem o processo-crime é meio adequado para a anulação de qualquer do matrimônio. Nessa hipótese, o processo criminal se suspende, "até que no juízo cível seja a controvérsia dirimida por sentença passada em julgado" (CPP, art. 92).

Por outro lado, às vezes, a sentença penal condenatória passada em julgado também tem eficácia no esfera cível. O art. 91, I, do CP dá como efeito secundário da sentença penal condenatória "tornar certa a obrigação de indenizar o dano resultante do crime". Isso significa que a condenação criminal corresponderá a uma sentença no cível que declare a existência de dano a ser ressarcido (embora sem precisar o quantum debeatur). Passada em julgado a condenação, a autoridade da coisa julgada estende-se também à possível pretensão civil, de modo que não se poderá mais questionar, em processo algum, sobre a existência da obrigação de indenizar. Se o réu for absolvido no crime, da mesma forma, dependendo do fundamento da absolvição, ter-se-á por definitivamente julgada a pretensão civil: é o que ocorre quando a sentença penal reconhece que o ilícito imputado ao réu não foi praticado - inexistência material do fato ( CPP, art. 66), ou que ele não foi seu autor - negativa de autoria - (CC, art. 1525), ou ainda que, nas circunstâncias em que o fato se deu, não havia ilicitude (antijuridicidade), tendo o réu agido em legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de um direito (CPP, art. 65, c/c. arts. 160, 1.519, 1.520 e 1.540, do Código Civil).

Em face da ambivalência da decisão criminal, em algumas hipóteses, por conveniência, a lei possibilita que o processo civil aguarde a solução da causa penal (CPP, art. 64 e § ún.).

Outro ponto de contato é a chamada prova emprestada que é aquela produzida em um processo e que pode ser utilizada em outro, desde que com sua utilização não se venha a surpreender uma pessoa que não fora parte no primeiro, é possível, pois, que, mediante certidões, se levem do processo crime para o civil e vice-versa contra o mesmo réu os elementos de convicção já produzidos, sem necessária repetição.

Nesse mesmo sentido, a prova da falsidade de um documento, realizada num processo-crime por delito de falso em suas várias modalidades (CP, arts. 297-298, 299, 300, 304, 342), é o bastante para a ação rescisória civil, desnecessitando da sua repetição no curso desta (CPC, art. 485, inc. VI).

Ainda, como exemplo de interação entre a jurisdição civil e penal, temos a disciplina do processo criminal por crimes falimentares. A ação penal, no caso, "não poderá iniciar-se antes de declarada a falência e extinguir-se-á quando reformada a sentença que a tiver decretado" (CP, art. 507). A sentença, pois, declaratória de falência é verdadeira condição objetiva de punibilidade e de procedibilidade da ação. Nesse exemplo, o estado de comerciante e de falido, reconhecido na sentença civil, não poderá ser objeto de discussão no processo-crime (CPP, art. 511).

14.5.4 Jurisdição especial ou comum – os vários organismos judiciários são instituídos pela Constituição Federal, constituindo cada um deles unidade administrativa autônoma e recebendo da Lei Magna os limites de sua competência.

Temos, pois, em consideração às regras constitucionais de competência, a jurisdição especial e jurisdição comum. Entre as primeiras estão a Justiça Eleitoral (arts. 118-121), a Justiça do Trabalho (arts. 111-117) e as Justiças Militares Federal (arts. 122-124) e Estaduais (art. 125, § 3º); no âmbito da jurisdição comum estão a Justiça Federal (arts. 106-110) e as Justiças Estaduais ordinárias (arts. 125-126).

14.5.5 Jurisdição superior o inferior – é natural o inconformismo do ser humano perante decisões desfavoráveis, desejando, muitas vezes, nova oportunidade para demonstrar as suas razões e tentar fazer valer a sua pretensão. Por isso, em geral, os ordenamentos jurídicos instituem o duplo grau de jurisdição, princípio consistente na possibilidade de um mesmo processo, após julgamento pelo juiz inferior perante o qual teve início, voltar a ser objeto de julgamento, agora por órgãos de instância superior do Poder Judiciário.

Jurisdição inferior é aquela exercida pelos juízes que ordinariamente conhecem do processo desde seu início (competência originária); Na Justiça Estadual são os juízes de direito das comarcas distribuídas por todo o Estado, inclusive na comarca da Capital. Jurisdição superior é a exercida pelos órgãos competentes para conhecerem dos recursos interpostos contra as decisões proferidas na jurisdição inferior pelos juízes da recursais

14.5.6 Jurisdição de direito ou de eqüidade - "O juiz só decidirá por eqüidade nos casos previstos em lei" (CPC, art. 127). Por eqüidade significa decidir sem as limitações impostas pela rígida regulamentação legal; isso é permitido quando o legislador deixa de traçar na lei a exata disciplina de determinados institutos, deixando uma certa liberdade para a individualização da norma através dos órgãos judicantes (CC, arts. 400 e 1.456)[15].

No direito anterior, quando devesse decidir por eqüidade, o juiz aplicaria a norma que estabeleceria se fosse legislador "quando autorizado a decidir por eqüidade, o juiz aplicará a norma que estabeleceria se fosse legislador" (art. 114) - conceito Aristotélico do instituto. No direito atual, não contendo a norma o conceito de eqüidade, este passa a ser o que a jurisprudência entender, dada a falta de regra expressa no Código.

15. LIMITES DA JURISDIÇÃO

15.1 Limites internacionais: como exercício de sua soberania, cada Estado (nação) dita sua normas internas. Contudo, a necessidade de coexistência com outros Estados soberanos faz com que o legislador mitigue esse poder soberano, atendendo às seguintes ponderações: a) a conveniência (não convém criação de áreas de atritos por questões irrelevantes porque o que interessa, afinal, é a paz social); b) a viabilidade (evitam-se os casos em que não será possível a imposição autoritativa do cumprimento da sentença). A doutrina elenca três motivos que recomendam a observância dessas regras: a) a soberania de outros Estados; b) o respeito às convenções internacionais; c) razões de interesse do próprio Estado.

Assim, em princípio cada Estado tem poder jurisdicional nos limites de seu território. No Br. os conflitos civis consideram-se sujeitos à jurisdição nacional quando: a) o réu tiver domicílio no Brasil; b) versar a pretensão do autor sobre obrigação a ser cumprida no Brasil; c) originar-se de fato aqui ocorrido; d) ser objeto da pretensão um imóvel situado no Brasil; e) situarem-se no Br. os bens que constituam objeto de inventário (CPC, arts. 88-89).

Limites internacionais de caráter pessoal - por respeito à soberania de outros Estados, tem sido geralmente estabelecido que são imunes à jurisdição de um país: a) os Estados estrangeiros; b) os chefes de Estados Estrangeiros; c) os agentes diplomáticos.

Hipóteses de cessação da imunidade: a) renúncia válida; b) quando o beneficiário é autor; c) quando se trata de demanda fundada em direito real sobre imóvel situado no país; d) ação referente a profissão liberal ou atividade comercial do agente diplomático; e) quando o agente é nacional do país em que é acreditado.

15.2 Limites internos - No direito moderno, em princípio a função jurisdicional cobre toda a área dos direitos substanciais. Esse princípio, porém, deve ser entendido com algumas ressalvas. Em primeiro lugar, temos os atos da administração pública, no tocante à discricionariedade do administrador, do ponto-de-vista da oportunidade e conveniência da sua prática, aspectos que são imunes à crítica judiciária. Além disso, a lei exclui da apreciação judiciária as pretensões fundadas em dívidas de jogo, ou apostas (CC, art. 1477).

Todos esses casos são de impossibilidade jurídica da demanda e são exceções porque a garantia constitucional do acesso à justiça tem conduzido a doutrina e a jurisprudência a uma tendência marcadamente restritiva quanto ao exame jurisdicional das pretensões insatisfeitas.

16. JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA

16.1 Administração pública de interesses privados

Por se revestirem de grande importância, transcendendo os limites da esfera de interesses das pessoas diretamente empenhadas, alguns atos jurídicos da vida de particulares passam também a interessar à própria coletividade.

Atento a isso, o legislador impõe que, para a validade desses atos de repercussão na vida social, imprescinde-se da participação de um órgão público, através da qual o Estado se insere naqueles atos que do contrário seriam tipicamente privados. Nessa intervenção o Estado age emitindo uma declaração de vontade, desejando também que o ato atinja o resultado visado pelas partes. Trata-se de manifesta limitação aos princípios de autonomia e liberdade, que caracterizam a vida jurídico-privada dos indivíduos, o que até se justifica pelo interesse social que envolvem esses atos da vida privada.

São atos de administração pública de interesses privados, praticados com a intervenção de órgãos do "foro extrajudicial", a escritura pública (tabelião), o casamento, o protesto, a participação do MP. na vida das fundações, os contratos e estatutos que tramitam pela JUCESP.

16.2 Jurisdição voluntária

A independência, a idoneidade e a responsabilidade dos magistrados perante a sociedade levam o legislador a lhes confiar importantes funções em matéria de administração pública de interesses privados. Esses atos praticados pelo juiz recebem da doutrina o nome de jurisdição voluntária ou graciosa.

Os atos de jurisdição voluntária se classificam em três categorias: a) atos meramente receptícios (função passiva do magistrado, como publicação de testamento CC, art. 1646); b) atos de natureza certificante ("vistos" em balanços, despachos em notificação ou interpelação judiciais, etc.); c) atos que constituem verdadeiros pronunciamentos judiciais (separação judicial amigável, interdição, venda de bens de incapaz, etc.). Apenas estes últimos estão disciplinados no CPC, como procedimentos de jurisdição voluntária.

De tudo o que foi visto conclui-se que, na realidade, os atos da chamada jurisdição voluntária nada têm de jurisdicionais, porque: a) não tem como escopo a atuação do direito, mas a constituição de situações jurídicas novas; b) não tem o caráter substitutivo, pois, antes disso, o que acontece é que o juiz se insere entre os participantes do negócio jurídico, numa intervenção necessária para a consecução dos objetivos desejados, mas sem exclusão das atividades das partes; c) ademais, o objetivo dessa atividade não é uma lide, mas apenas um negócio entre os interessados com a participação do magistrado.

Assim, não havendo interesses em conflitos, não é adequado falar em partes, expressão que pressupõe a idéia de pessoas que se situam em posições antagônicas, cada qual na defesa de seu interesse. Além disso, como não se trata de atividade jurisdicional, é impróprio falar em ação, pois esta se conceitua como o direito-dever de provocar o exercício da atividade jurisdicional contenciosa; e, pela mesma razão não há coisa julgada, pois tal fenômeno é típico das sentenças jurisdicionais. Por outro lado, no lugar de processo, fala-se em procedimento, pois aquele é também sempre ligado ao exercício da função jurisdicional e da ação.

Contudo, essa atividade judicial. administrativa embora, se exerce segundo formas processuais: petição inicial com documentos necessários (art. 1.104); há citação dos interessados (art. 1.105), resposta (art. 1.106), contraditório, provas (art. 1.107), sentença e apelação (art. 1.110).

17. O PODER JUDICIÁRIO (MATÉRIA DE TRABALHO EM CLASSE)

17.1. O PODER JUDICIÁRIO. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A ADVOCACIA: Funções, estrutura e Órgãos.

17.1.1 ESTRUTURA JUDICIÁRIA NACIONAL
- O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça
- órgãos de superposição
- funções institucionais e competência
- graus de jurisdição
- ingresso, composição e funcionamento

17.1.2 ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA ESTADUAL
- divisão judiciária - os juízos de primeira instância
- classificação das comarcas
- duplo grau de jurisdição - a composição dos tribunais
- períodos de trabalho - férias forenses
- a carreira da Magistratura
- Justiça Militar estadual

17.1.3 ORG. JUDICIÁRIA DA UNIÃO
- as Justiças da União
- organização da Justiça Federal ordinária
- " " " Militar Federal
- " " " Eleitoral
- " " " do Trabalho

17.1.4. A independência e as Garantias do Poder Judiciário.
- a independência política e jurídica do juiz
- as garantias do Judiciário, enquanto poder
- as garantias dos juízes - independência e imparcialidade.

17.2. SERVIÇOS AUXILIARES DA JUSTIÇA
- órgãos auxiliares da Justiça
- classificação dos órgãos auxiliares da Justiça
- auxiliares permanentes e eventuais
- órgãos auxiliares de fé-pública

17.3. MINISTÉRIO PÚBLICO
- o Ministério Público e o Poder Judiciário
- princípios, garantias e impedimentos
- órgãos do Ministério Público da União
- órgãos do Ministério Público estadual

4. O ADVOGADO
- a Defensoria Pública e a Advocacia-Geral da União
- natureza jurídica da advocacia
- deveres e direitos do advogado
- a Ordem dos Advogados do Brasil
- o Exame de Ordem e Estágio
- Código de Ética Profissional

Condições do Trabalho:

- Em grupo de até 9 pessoas (Cada grupo elegerá um representante que comunicará ao professor a sua formação até o dia ).
- O Trabalho poderá ser Manuscrito ou datilografado e conterá necessariamente:
a) Sumário com índice da matéria, e referência ao trabalho de cada participante
b) Bibliografia (pelo menos três obras consultadas)
- Data de entrega: (improrrogável)

18. O MINISTÉRIO PÚBLICO

Perfil Constitucional: "Instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis" (art. 127).

O MP se desincumbe dessa missão constitucional quando seus membros se encarregam da persecução penal, deduzindo em juízo a pretensão punitiva do Estado e postulando a repressão às condutas consideradas crime, pois este é um atentado contra os valores fundamentais da sociedade. Igualmente, no juízo civil cumpre o comando constitucional quando seus órgãos, na qualidade de curadores se ocupam de certas instituições (registros públicos, fundações, família,), de certos bens e valores fundamentais (meio-ambiente, valores artísticos, estéticos, históricos, paisagísticos), ou de certas pessoas (consumidores, ausentes, incapazes, acidentados no trabalho, etc.).

O Estado, ao cometer essas funções ao Parquet, tem em mira garantir ao homem, como categoria universal e eterna, a preservação de sua condição humana, mediante o acesso aos bens necessários a existência digna.

Tradicionalmente, o Ministério Público, apontado como instituição de proteção aos fracos, hoje desponta com agente estatal predisposto à tutela de bens e interesses coletivos e difusos.

Em sua origem mais remota o MP não tinha exatamente essa função.

Sustenta-se que a origem mais remota do MP é encontrada no Egito, há quatro mil anos, onde os chamados procuradores do rei exerciam funções muito parecidas com as atuais atribuições ministeriais. Eram eles genericamente chamados "a língua e a palavra do rei", desempenhando no campo penal o dever de castigar os rebeldes, reprimir os violentos, proteger os cidadãos pacíficos, acolher os pedidos do homem justo e verdadeiro, perseguindo os malvados e mentirosos; no processo penal era sua responsabilidade "fazer ouvir as palavras da acusação, indicando as disposições da lei que se aplicam ao caso" e, finalmente, no campo cível, competia-lhe a defesa de certas pessoas, já que eram tidos como "o marido da viúva e pai do órfão".

Também, a Grécia antiga, por alguns poucos estudiosos, é apontada como o berço da instituição, o mesmo se dando, agora por uma maioria significativa de historiadores, em relação a Roma, com sendo a origem do Ministério Público, na figura do praefectus urbis, originariamente chamado de custos urbis, que eram substitutos do rei quando este se ausentava de Roma, e, nessa qualidade, não só julgavam como também legislavam e administravam. No período imperial passaram eles a funcionar como juízes criminais, cujo julgamento, assim como o do imperador, se mostrava ilimitado e não sujeito a nenhuma formalidade processual. Percebe-se que as funções desses entes mais se assemelham à jurisdição, por isso a crítica dos que discordam dessa opinião.

Porém, não discrepam os historiadores em atribuir à "Ordonnance" de Felipe, o Belo, de 25 de março de 1303, a qualidade de certidão de nascimento do Ministério Público. Pela primeira vez num diploma legal se fazia menção expressa ao "procureur du roi (les gens du roi)", agentes do poder real perante as cortes que, já há algum tempo, vinham fazendo a defesa dos interesses privados do soberano. Trata-se de um corpo de funcionários, agora organizado em lei, a quem competiria a tutela do Estado, separados da pessoa e dos bens do rei. Sustenta Hélio Tornaghi que esse ato de Felipe, o Belo, foi o resultado da reação do soberano contra os senhores feudais que lhe arranhavam a soberania; através dele o rei chamou para si o poder supremo, pôs-se acima de todos para atuar perante o Poder Judiciário. Foi nessa época que o MP começou a ser chamado de Parquet pelas razões muito bem expostas por Tornaghi, verbis: "A fim de conceder prestígio e força a seus procuradores, os reis deixaram sempre clara a independência desses em relação aos juízes. O Ministério Público constituiu-se em verdadeira magistratura diversa da dos julgadores. Até os sinais exteriores dessa proeminência foram resguardados; membros do Ministério Público não se dirigiam aos juízes do chão, mas de cima do mesmo estrado parquet em que eram colocadas as cadeiras desses últimos e não se descobriam para lhes endereçar a palavra, embora tivessem de falar de pé (sendo por isso chamados magistrature debout (Magistratura de pé).

Posteriormente, outras ordonnances vieram a regulamentar a instituição tais como a de Carlos VIII, de 1493, a de Luís VII, de 1498, e as de 1522, 1553, 1586 e, por fim a Ordonnance Criminalle de Luís XIV, em 1670, considerada a grande codificação de processo criminal francês, que veio a ampliar o campo de atuação do Ministério Público.

Revolução Francesa - Separação dos Poderes - profunda reformulação política.

Não tinha mais cabimento encarar-se o Ministério Público como representante dos interesses do rei ou da coroa; outra teria que ser sua finalidade: a representação da sociedade, seus superiores interesses, perante os tribunais. Eram incompatíveis as suas funções com as do juiz, do executivo e do legislativo, salvo algumas exceções. No processo civil atuaria o MP nas ações de anulação de casamento, nas ações de estado civil das pessoas, entre outras.

Em 1879, por decisão da Corte de Cassação Criminal - criada em 1790 - é declarada de forma definitiva a garantia que viria tornar-se a pedra fundamental de toda a atuação do parquet: "os representantes do Ministério Público são completamente independentes em relação às cortes e aos tribunais juntos aos quais atuam; os juízes não têm o direito de censurar nem criticar suas conclusões"

Ordenações Afonsinas (1456) nenhuma referência ao Ministério Público.
" Manuelinas (1521), por primeiro refere-se ao Promotor de Justiça, inspiradas no direito francês e canônico. Segundo estas, o promotor deveria ser alguém "letrado e bem entendido para saber espertar e alegar as causas e razões, que para a lume e clareza da justiça e para inteira conservaçon dela convém ...", o que significava dizer que era ele o fiscalizador da lei e da sua execução.

Posteriormente, em 1603, surge a grande codificação portuguesa, as famosas "Ordenações Filipinas", que iria reger a nossa vida jurídica por alguns séculos, tendo esse diploma legal, atribuído ao assim chamado "Promotor de Justiça da Casa de Suplicação", nomeado pelo rei, entre outros encargos, o de "requerer tôdas as cousas, que tocam à Justiça, com cuidado e diligência, em tal maneira que por sua culpa e negligência não pereça. E a seu Ofício pertence formar libelos contra os seguros, ou presos, que por parte da Justiça hão de ser acusados na Casa de Suplicação por acôrdo da Relação".

Pouco tempo depois, já existindo no Brasil um governo geral, instituído em 1548, surge o primeiro texto legislativo genuinamente nacional a prever a figura do Promotor de Justiça. Trata-se do diploma de 9 de janeiro de 1609, que disciplinava a composição do Tribunal da Relação da Bahia, que dispunha: " A relação será composta de dez desembargadores ... um procurador de feitos da Coroa e d Fazenda e um promotor de justiça".

18.1 O MINISTÉRIO PÚBLICO NA IDADE CONTEMPORÂNEA

Proclamação da Independência do Brasil (1922) - 1ª CF. de 1824

Código de Processo Criminal de 1832 - primeiro código brasileiro a dedicar tratamento sistemático e abrangente à instituição do MP.

Em 11.10.1890, criou-se a Justiça Federal. através do Dec. 848, e nesse texto legislativo, da lavra do insigne Campos Sales, precursor da independência do parquet no Brasil, surgiu o esboço institucional do Ministério Público.,

Proclamação da República (1889) - CF de 1891 silenciou-se sobre a instituição, limitando-se à referência ao Procurador-Geral da República no Título destinado ao Poder Judiciário. Daí para frente, em termos constitucionais, seguiu-se um processo de marchas e contramarchas.

A CF. de 1934 representou a reabilitação do Ministério Público ante as várias conquistas alcançadas, dentre as quais merecem menção a estabilidade conferida aos seus membros e a regulamentação do ingresso na carreira.

A CF de 1937 - novo retrocesso - simples referência ao Procurador-Geral da República como chefe do MPF e instituía o "quinto constitucional" para a composição dos tribunais.

A almejada independência funcional só viria na Carta de 1946, nitidamente embebecida de espírito democrático. Deu-se ao MP um título especial, sem vinculação a qualquer dos poderes da República, onde se instituía o Ministério Público Federal e Estadual, suas estruturas e atribuições, a estabilidade da função, o concurso de provas e títulos, a promoção e a só remoção por representação motivada da Procuradoria -Geral.

As CFs. de 1967 e1969, apresentaram retrocessos e avanços que alteraram o perfil da instituição sem grande significado, até porque, com duração breve, pois a partir da E.C. nº 7, de 1977, que, alterando substancialmente a Carta maior, especialmente, no tocante à estrutura organizacional do Estado no terreno da prestação jurisdicional, autorizou a organização dos Ministérios Públicos dos Estados, diferindo à Lei Complementar a edição de normas , sobrevindo a LC 40/81, que já em seu art. 1º traça o perfil do Ministério Público, dizendo: "instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, é responsável, perante o Judiciário, pela defesa da ordem jurídica e dos interesses indisponíveis da sociedade, pela fiel observância da Constituição e das leis ...", explicitando no art. 2º os princípios institucionais do MP: a unidade, indivisibilidade e a autonomia funcional e, no art. 3º elenca o rol de funções e delimitações do campo da sua atuação.

E, finalmente, sobrevém a CF. de 1988, a primeira que outorga ao Ministério Público um tratamento digno da excelência do seu papel social e o consagra definitivamente como grande instituição republicana tal qual sonhara Campos Salles.

18.2 PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS E CONSTITUCIONAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO

a) unidade: é o conceito de que os promotores de um Estado integram um só órgão sob a direção de um só chefe.

b) indivisibilidade: significa que os membros do Ministério Público podem ser substituídos uns pelos outros, "não arbitrariamente, porém, sob pena de grande desordem, mas segundo a forma estabelecida na lei" TJSP, Rcrim 128.587-SP; RT 494/269).

c) independência funcional: significa que cada um de seus membros age segundo sua própria consciência jurídica, com submissão exclusivamente ao direito, sem ingerência do Poder Executivo, nem dos juízes e nem mesmo dos órgãos superiores do próprio Ministério Público. Por outro lado, essa independência da Instituição como um todo identifica-se na sua competência para "propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concursos público de provas e títulos" (art. 127, § 2º), e para elaborar "sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias" (art. 127, § 3º).

18.3 O MINISTÉRIO PÚBLICO E O PODER JUDICIÁRIO

O MP, conforme sua definição constitucional é "instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado" e, por isso é ele tratado como órgão autônomo, que não integra o Poder Judiciário, embora desenvolva as suas funções essenciais, primordialmente, no processo e perante os juízos e tribunais.

Assim, a CF. apresenta o MP da União integrado pelo MPF (oficiando perante o STF, STJ e Justiça Federal, MP do Trabalho (Justiça do Trabalho), MP Militar (Justiça Militar da União) e MP do Distrito Federal e Territórios (Justiça do Distrito Federal e Territórios.

18.4 FUNÇÕES INSTITUCIONAIS

a) promoção privativa da ação penal pública; b) zelar pelo efetivo respeito aos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia; c) promover o inquérito civil e a ação civil para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses previstos nesta Constituição e outras elencadas nos vários incisos do art. 129 da CF.

18.5 GARANTIAS

Como garantias da Instituição como um todo destacam-se: a) a sua estruturação em carreira; b) a sua autonomia administrativa e orçamentária; c) limitação à liberdade do chefe do Executivo para a nomeação e destituição do Procurador-Geral; d) a exclusividade da ação penal pública e veto à nomeação de promotores ad hoc.

Aos membros individualmente são as seguintes as garantias: a) o tríplice predicado da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos b) ingresso aos cargos mediante concurso de provas e títulos, observada, nas nomeações, a ordem de classificação; c) promoção voluntária, por antigüidade e merecimento, alternadamente, de uma para outra entrância ou categoria e da entrância mais elevada para o cargo de Procurador de Justiça; d) sujeição à competência originária do Tribunal de Justiça, "nos crimes comuns e nos de responsabilidade, ressalvadas exceções de ordem constitucionais.

18.6 IMPEDIMENTOS

a) a representação judicial e consultoria de entidades públicas e o exercício da advocacia; b) o recebimento de honorários, percentuais ou custas; c) a participação em sociedade comercial; d) o exercício de outra função pública, salvo uma de magistério; e) atividades político-partidárias.

18.7 ÓRGÃOS DO MP DA UNIÃO

Procurador-Geral da República (chefe do Ministério Público da União) - nomeado pelo Presidente da República após aprovação pelo Senado Federal - mandato bienal - destituição antes do prazo depende de autorização pela maioria absoluta do Senado Federal.

18.8 ÓRGÃOS DO MP ESTADUAL

a) Administração Superior (PGJ, Colégio dos Procuradores; CSMP e CGMP);
b) Administração do MP (Procuradorias de Justiça e Promotorias de Justiça;
c) Órgãos de Execução (PGJ, Colégio, CSMP, Procuradores e Promotores);
d) Órgãos auxiliares ( Centros de Apoio operacional, Comissão de Concurso, Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Profissional, órgãos de apoio técnico e administrativo e estagiários).

19. O ADVOGADO

19.1 Noções gerais: O advogado integra a categoria daquelas pessoas denominadas de jurista, porque versadas em ciências jurídicas, como o professor de direito, o jurisconsulto, o juiz, o membro do Ministério Público.

Sua função específica, ao lado dessas demais pessoas, a de participar do trabalho de promover a observância da ordem jurídica e o acesso dos seus clientes à ordem jurídica justa.

Pela primeira vez, a estrutura institucional da advocacia ganhou, na CF de 1988, status constitucional, integrando "as funções essenciais à justiça", ao lado do Ministério Público e da Advocacia Geral da União, prescrevendo o art. 133: "O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei".

A denominação advogado é privativa dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, surgindo, assim, uma definição do que seja o advogado: "é o profissional legalmente habilitado a orientar, aconselhar e representar seus clientes, bem como a defender-lhes os direitos e interesses em juízo ou fora dele.

Sustenta a doutrina que o advogado, na defesa judicial dos interesses do cliente, age com legítima parcialidade institucional e que em confronto de parcialidades opostas constitui fator de equilíbrio e instrumento da imparcialidade do juiz.

19.2 DEFENSORIA PÚBLICA

Atendendo antiga postulação e promessa social de assistência judiciária aos necessitados, a CF fala agora em assistência jurídica integral gratuita (art. 5º, LXXIV), que inclui também o patrocínio e orientação extrajudicial (advocacia preventiva). E, para o cumprimento dessa obrigação constitucional a Defensoria Pública foi institucionalizada (CF, art. 134: A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV).

19.3 ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO

É outro organismo criado pela Constituição de 1988 com a missão de defender os interesses jurídicos judicial e extrajudicial da União. Somente a cobrança judicial executiva da dívida ativa tributária é que fica a cargo de outra instituição federal, a Procuradoria da Fazenda Nacional.

O Advogado-Geral da União, chefe da AGU, é de livre nomeação pelo Presidente da República, sem as garantias de que dispõe o Procurador-Geral da República.

19.4 NATUREZA JURÍDICA DA ADVOCACIA

TradicionaImente, diz-se que a advocacia é uma atividade privada, que os advogados exercem como profissionais liberais que são, ligando-se aos clientes pelo vínculo contratual do mandato, combinado com locação de serviço.

Modernamente, formou-se corrente doutrinária, para qual, em vista da indispensabilidade da função do advogado no processo, a advocacia tem caráter público e as relações entre patrono e cliente são regulada por contrato de direito público.

Contudo, diante das regras multifárias das relações do advogado com o cliente e com o Estado jurisdicional, o mais correto parece conciliar as duas correntes doutrinárias, mormente em face do que prescreve o art. 2º do atual EOAB (lei 8.906/94: "No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público", considerando-se a advocacia, ao mesmo tempo, como ministério privado de função pública e social. Assim é que o mandato judicial constitui representação voluntária no tocante à sua outorga e escolha do advogado, mas representação legal no que diz respeito à sua necessidade e ao modo de exercê-la.

19.5 MANDATO POR PROCURAÇÃO

Procuração ad judicia é o instrumento de mandato que habilita o advogado a praticar todos os atos judiciais, em qualquer justiça, foro, juízo ou instância, salvo os de receber citação, confessar, transigir, desistir, e dar quitação e firmar compromisso; e a procuração com a cláusula ad judicia et extra habilita o constituído à prática também de todos os atos extrajudiciais de representação e defesa, incluindo sustentações orais.

Ao renunciar ao mandato o advogado continuará a representar o outorgante pelos dez dias seguintes à intimação da renúncia, salvo se for substituído antes desse prazo. O processo não se suspende em virtude da renúncia.

Advocacia liberal, pública e empregatícia e honorários

19. DA COMPETÊNCIA. Conceito, Espécies e critérios determinativos.

19.1 Conceito: A jurisdição, como expressão do poder estatal, embora una e indivisível, por razões organizacional e prática, é exercida por vários órgãos, distribuídos pela Constituição Federal e pela lei, cada um deles atuando dentro de determinados limites, dependendo ora da natureza do litígio, ora da qualidade dos litigantes.

Competência é, pois, a medida da jurisdição, ou seja, a órbita dentro da qual o juiz exerce as funções jurisdicionais. Ou ainda, é o poder que tem o órgão jurisdicional de fazer atuar a jurisdição aplicando o direito objetivo ao um caso concreto levado à sua apreciação pelo interessado.

Para Liebman, essa quantidade de jurisdição cujo exercício é atribuído a cada órgão ou grupos de órgãos, chama-se competência. Nessa mesma ordem de idéias é clássica a conceituação da competência como medida da jurisdição (cada órgão só exerce a jurisdição dentro da medida que lhe fixam as regras sobre competência).




19.2 DISTRIBUIÇÃO DA COMPETÊNCIA.

A distribuição da competência é feita em diversos níveis jurídico-positivos:

a) a competência de cada uma das Justiças e dos Tribunais Superiores da União é determinada pela Constituição Federal;
b) as regras de competência, principalmente as referentes ao foro competente das comarcas, estão na lei federal (Códigos de Processo civil e penal);
c) nas Constituições estaduais é determinada a competência originária dos tribunais locais;
d) nas leis de organização judiciária estão as regras de competência de juízo (varas especializadas)

Sabemos que a estrutura judiciária pátria se assenta nos seguintes pontos fundamentais: a) a existência de órgãos jurisdicionais isolados, no ápice da pirâmide judiciária e portanto acima de todos os outros (STJ e STF);
b) a existência de diversos organismos jurisdicionais autônomos entre si (as diversas "Justiças");
c) a existência, em cada "Justiça", de órgãos judiciários superiores e órgãos inferiores (o duplo grau de jurisdição);
d) a divisão judiciária, com distribuição de órgãos judiciários por todo o território nacional (comarcas, seções judiciárias);
e) a existência de mais de um órgão judiciário de igual categoria no mesmo lugar (na mesma comarca, na mesma seção judiciária;
f) instituição de juízes substitutos ou auxiliares, com competência reduzida.

Da observação desses dados fundamentais e característicos torna possível determinar qual juiz é o competente para conhecer e julgar determinada demanda.

Para o profissional do Direito, tão importante quanto saber determinar a presença das condições da ação, indispensáveis à sua propositura, é saber, com precisão, perante qual órgão jurisdicional deve ser posta a demanda.

Para tanto, aponta a doutrina metodologia consistente em analisar, a partir de cada caso que deva ser submetido à apreciação do Poder Judiciário, se, primeiramente, está afeta a lide à competência do Poder Judiciário brasileiro, definindo, posteriormente, se a matéria é passível de apreciação por um dos órgãos da Justiça especializada ou da Justiça comum, em que circunscrição territorial deve a ação ser proposta e qual será o órgão jurisdicional a que corresponderá o processamento e julgamento da lide.

Segundo o método sugerido, algumas questões devem ser respondidas, sucessivamente, para se chegar à definição precisa do órgão judiciário competente para o exercício da função jurisdicional que comporá determinada lide:

1) É competente a Justiça brasileira? (competência internacional). Vamos buscar a resposta da atenta leitura dos arts. 88 e 89 do CPC[16]

2) Qual é a Justiça competente? (competência "de jurisdição). Para esta resposta vamos à CF que, em seus arts. 109 (competência da Justiça Federal); art. 114 (competência da Justiça do Trabalho); art. 121 (Justiça Eleitoral); art. 124 (Justiça Militar) e art. 125, §§ 3º e 4º (Justiça Militar Estadual).

3) Qual o órgão, superior ou inferior, é o competente? (competência originária). A competência originária, em regra, é do juízo de primeira instância. A exceção deve estar prevista nas Constituições Federal e Estaduais[17] que tratam das competências dos tribunais.

4) Qual a Comarca, ou Seção Judiciária, competente? (competência de foro). Por Foro, entende-se a circunscrição territorial judiciária onde a causa deve ser proposta (Comarca ou Seção Judiciária). É a que mais pormenorizada vem discriminada nas leis processuais, principalmente nos Código de Processo Civil e Processo Penal.

5) Qual a Vara competente? (competência do juízo). Esta competência resulta da distribuição dos processos entre os órgãos judiciários do mesmo Foro. Juízo é sinônimo de órgão judiciário e, em primeiro grau de jurisdição, corresponde às varas. Em um só Foro pode haver, e freqüentemente há, mais de um juízo, ou Vara.

A análise para fixação da competência do órgão jurisdicional deve iniciar-se, por óbvio, pela definição da competência da Justiça brasileira para apreciação do feito. Fornecem, como já foi dito, os arts. 88 e 89 do Código de Processo Civil os parâmetros necessários à resolução da questão.

Pelo princípio da efetividade, "o juiz brasileiro só atua, relativamente àquelas causas de alguma forma vinculadas a país estrangeiro, se houver possibilidade de tornar efetiva, de realmente fazer cumprir sua sentença"[18].

A lei processual brasileira estabelece dois casos de atribuição exclusiva de competência à autoridade brasileira e outros para os quais é ela considerada competente sem exclusão da competência da Justiça estrangeira. O primeiro caso trata da competência exclusiva do Poder Judiciário brasileiro e, o segundo, da sua competência concorrente.

Assim, nos termos do art. 89 do Código de Processo Civil, qualquer ação que verse sobre bens imóveis situados no Brasil aqui deverá ser processada, bem como o inventário e partilha de bens situados no País, nada importando sejam os sujeitos da lide estrangeiros.

Isso significa, por exemplo, que, se um estrangeiro adquirir bens no Brasil e aqui não residir, terá de demandar perante a autoridade judiciária brasileira caso verse a lide sobre tais bens. Da mesma forma, só podendo ser inventariados no Brasil os bens aqui localizados, não importa que estivesse o autor da herança residindo, por exemplo, na Inglaterra e não fosse brasileiro. Na hipótese de ter deixado bens também no país onde residia, dois inventários terão de ser abertos.

Considerando-se que a existência da sentença só se justifica se ela for capaz de produzir efeitos, de ser cumprida, extrai-se da regra contida no art. 89 do Código de Processo Civil que a sentença estrangeira que dispuser sobre os bens imóveis explicitados no inciso I ou julgar partilha na hipótese do inciso II não produzirá efeitos em nosso país, pois para isso necessita da homologação pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos dos arts. 483 e 484 do mesmo Código e 215 a 224 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, o que não ocorrerá.

Já o art. 88 da lei processual codificada estabelece as hipóteses de ser competente a autoridade judiciária brasileira sem exclusão da autoridade judiciária estrangeira como competente para a apreciação e o julgamento da mesma lide. Concorrem, ambas, quanto à composição do conflito.

Pode parecer estranha a admissão da repetição de demanda já intentada no estrangeiro, quando a lei processual brasileira veda a reprodução de demanda anteriormente ajuizada no território nacional. À evidência, conclui-se que a propositura de duas ações versando sobre a mesma lide, no mesmo território e, portanto, afetas à mesma jurisdição, contraria o princípio da economia processual, pois ambas as sentenças, proferidas por juizes nacionais, produzirão efeitos, poderão ser cumpridas após respectivo trânsito em julgado.

Ocorre que no caso da sentença estrangeira, sua eficácia no Brasil depende de homologação pelo Supremo Tribunal Federal, e, enquanto isso não ocorre, versando a lide sobre uma das hipóteses arroladas pelos incisos I, II e III do art. 88 do Código de Processo Civil, poderá a demanda ser aqui apreciada.

Por isso é enfatizada no art. 90[19] do diploma processual a inocorrência de litispendência quando se trata de competência internacional concorrente.

De ambas as disposições extrai-se uma regra de efeito prático utilizável sempre que surgir a hipótese de aplicação do art. 88 do CPC: sempre que versar sobre a mesma lide duas ações, uma nacional e outra estrangeira, que tenham estas sido propostas sucessiva ou simultaneamente, prevalecerá a nacional se produzir efeitos de coisa julgada material antes que a estrangeira tenha sido homologada pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal. Inversamente, prevalecerá a decisão estrangeira se a homologação pelo Pretório Excelso preceder à sentença nacional passada em julgado.

Por competência internacional concorrente deve entender-se a que não exclui a possibilidade de as partes se submeterem voluntariamente à jurisdição estrangeira, o que não ocorre quanto aos casos previsto no art. 89 do estatuto processual.

Não será competente a Justiça brasileira quando não ocorrente qualquer das hipóteses arroladas pelos arts. 88 e 89 do Código de Processo Civil, como, v. g., para o divórcio, quando o casamento foi realizado no estrangeiro e o réu não for domiciliado no Brasil.

Seguindo o método proposto para se chegar à definição precisa do juízo competente para a propositura de cada ação, caberá, após estar patente a competência da Justiça brasileira, determinar se a lide em questão está afeta à apreciação da Justiça especializada ou da Justiça comum.

Para isso torna-se necessário o exame dos arts. 114, 124, 121, 102, 104 e 109 da Constituição Federal, a fim de que se possa verificar se a resolução da lide não compete, respectivamente, à Justiça do Trabalho, à Justiça Militar, à Justiça Eleitoral, aos tribunais superiores e à Justiça Federal. Tudo o que remanescer dessa competência exclusiva dos órgãos jurisdicionais especializados será de competência da Justiça Estadual, nesta incluída a Justiça do Distrito Federal e Territórios.

Cumpre precisar, igualmente, dentro desse campo de análise, que se para a causa em questão é competente o órgão jurisdicional – comum ou especializado – de 1º ou de 2º grau. No caso da Justiça especializada, basta o exame das hipóteses arroladas na Constituição Federal como de competência originária dos órgãos colegiados superiores. Se, porém, a lide deve ser proposta perante a Justiça comum, é na Constituição Estadual, na Lei de Organização Judiciária do Estado e no Regimento Interno do Tribunal Estadual que se irá buscar subsídios para a definição. Se nesses diplomas não estiver expressa a competência originária dos tribunais estaduais para a apreciação da causa, esta caberá aos órgãos jurisdicionais de 1ª instância – Juízos comuns ou Juizados Especiais Cíveis e Criminais – , à escolha do autor da demanda, no que couber.

Na seqüência, vai-se estreitando o campo de análise, cabendo, posteriormente à definição acima explicitada, estabelecer em que circunscrição territorial será proposta a ação, determinando o foro competente para o conhecimento da lide.

São os arts. 94 a 100[20] do Código de Processo Civil os que fixam as regras que competência territorial, cabendo ao art. 94 a definição da regra geral, do foro comum, que é o do domicílio do réu. Os demais estabelecem os foros especiais.

Segundo a doutrina, o foro comum (tomado como foro do domicílio do réu) se subdivide em foro do domicilio do réu e em foro subsidiário do foro comum, apontando como subsidiários os previstos no art. 94, § 1º – foro da residência do réu; no art. 94, §§ 2º e 3º – foro do domicílio do autor; no art. 94, § 3º – qualquer foro; e no art. 94, § 4º – foro de qualquer dos réus.

O primeiro foro especial a ser examinado é o da situação da coisa, previsto no art. 95 do Código de Processo Civil.

Para a propositura de ação real imobiliária, competente é o foro de onde se situa o imóvel objeto da lide. Tal competência é absoluta e não se refere às ações pessoais relativas a imóveis, como é o caso das ações paulianas, quanti minoris, de anulação de escritura de venda de imóvel, de anulação de adjudicação de imóvel em execução contra devedor solvente, de rescisão de compromisso de compra e venda, sem pedido de reintegração de posse.

Exceção à regra encontra-se na possibilidade de opção pelo foro do domicílio do réu ou de eleição, desde que não verse a lide sobre propriedade, servidão, vizinhança, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação[21] de obra nova.

A fim de facilitar a compreensão, sempre é bom lembrar que direito real "é aquele que assegura a uma pessoa o gozo completo ou limitado de uma coisa", "o que estabelece uma relação entre a pessoa e uma coisa, não havendo direito à prestação de determinadas pessoas, mas apenas o dever de todas as outras de respeitarem esse direito". Assim, v. g., com relação a um mesmo bem imóvel, é real a ação que versa sobre o domínio e pessoal, a que versa sobre a locação. Inversamente ao direito real, o direito pessoal, decorrente de uma relação jurídica entre pessoas, obrigadas quanto ao objeto dessa relação.

Também para o processamento do inventário e partilha dos bens situados no território brasileiro a legislação processual destinou foro especial: o do domicílio do autor da herança, no Brasil. Aplica-se a mesma regra no caso da herança jacente, aos testamentos e codicilos e a certas ações em que o espólio for réu, embora o caput do art. 96 refira-se a "todas" as ações. Excluem-se dessa regra, por exemplo, a ação de usucapião contra o espólio, que deve ser proposta no foro da situação do imóvel, e as ações para as quais haja previsão de foro de eleição.

A matéria, no entanto, comporta certa polêmica, já que há acórdãos entendendo ser absoluta a competência prevista no art. 95 do Código de Processo Civil.

Se, porém, não for possível a aplicação da regra contida no caput do artigo porque o falecido não possuía domicílio certo, prevalecerá o foro da situação dos bens para o processamento das mencionadas causas. Se, ainda, o de cujus não tinha domicílio certo e possuía bens em lugares diferentes, competente será o foro do lugar onde ocorreu o óbito.

Em se tratando de bens de ausente, é competente o foro de seu último domicilio, tanto para a arrecadação quanto para o inventário e partilha e paira o cumprimento de disposições de última vontade. Idêntica regra se aplica às ações em que o ausente for réu.

Nenhum problema encontra a aplicação do art. 98 do diploma processual, que define o foro competente para apreciação das ações em que o incapaz for réu. Nada mais estabelece a regra que a adoção do foro comum, posto que, sendo o réu incapaz, tem como domicílio necessário o de seu representante, que, citado, responde à ação proposta.

19.2.1 IDENTIFICAÇÃO DA CAUSA, COMO FATOR DE DISTRIBUIÇÃO DA COMPETÊNCIA:

O legislador leva em conta como se apresentam os elementos constitutivos de uma demanda (partes, causa de pedir e pedido) para fins de determinação da competência.

As pessoas em litígio, ou seja, as partes, considera a lei ao traçar as regras de competência: a) a sua qualidade ( ex.: o processo e o julgamento do Pres. de Rep. pela prática de crimes comuns, inserem-se na competência originária do STF; competência da Justiça Federal para os processos em que for parte a União); b) o seu domicílio ou sede (regra geral de competência civil).

Os fatos e fundamentos jurídicos do pedido, ou seja, a causa de pedir, o legislador leva em conta para a fixação da competência do órgão julgador, considerando, primeiramente, (a) a natureza da relação jurídica controvertida, vale dizer, o setor do direito material em que a pretensão do autor da demanda tem fundamento (varia a competência conforme se trate de causa penal ou não, juízo cível ou penal; em se tratando de pretensão referente a relação empregatícia ¾ Justiça do Trabalho; pretensão fundada ou não em direito de família ¾ Vara da Família e sucessões; importa também, às vezes, (b) o lugar em que se deu o fato do qual se origina a pretensão (lugar da consumação do crime (CPP, art. art. 70[22]), ou da prestação de serviços ao empregador (CLT, art. 651[23]) e, importa, ainda, o lugar em que deveria ter sido cumprida voluntariamente a obrigação reclamada pelo autor (CPC, art. 100, inc. IV, d[24]).

O pedido (objeto da lide): o legislador leva em conta para fixação da competência os seguintes dados: a) a natureza do bem (móvel ou imóvel - CPC, art. 95[25]); b) seu valor ( a competência dos Juizados Especiais de Pequenas Causas para conflitos civis de valor patrimonial não excedente a 20 salários mínimos); c) sua situação (0 foro da situação do imóvel: CPC, art. 89, I[26], e 95).

19.2.2 CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO DE COMPETÊNCIA INTERNA

De acordo com Chiovenda, cujo método parece adaptar-se à sistemática do direito processual pátrio, a competência distribuir-se-á conforme tríplice repartição ou três critérios: O objetivo, o funcional e o territorial.

1) competência objetiva (valor ou natureza da causa, qualidade da pessoas); no primeiro caso, tem-se a competência pelo valor e, no segundo caso, a competência pela matéria. O critério extraído da natureza da causa refere-se, em geral, ao conteúdo especial da relação jurídica em lide.

2) competência funcional - determinada pela natureza especial e pelas exigências especiais das funções que o juiz é chamado para exercer num determinado processo. Essas funções podem repartir-se entre os diversos órgãos na mesma causa (juízes de cognição e juízes de execução, juízes de primeiro e juízes de segundo grau) ou, então, devem confiar-se ao juiz de dado território, abrindo lugar a uma competência em que o elemento funcional concorre com o territorial.

Os critérios determinativos de competência não valem isoladamente, mas em conjunto. O critério funcional se entrelaça com o da matéria e com o territorial.

3) competência territorial - relaciona-se com a circunscrição territorial onde o órgão exerce a sua atividade, pelo fato de residir o réu em determinado lugar ( forum domicilii ou forum rei), ou de haver-se contraído a obrigação em certo lugar (forum contractus) ou de achar-se em dado lugar o objeto da lide (forum rei sitae).

Essa classificação, como vimos, exclui a qualidade das pessoas, como elemento determinativo de competência. É que na Itália, nação do autor dessa teoria, esse elemento, por si só, não influi na competência do juiz.

Por isso, a doutrina, inclui a condição das pessoas em lide no critério objetivo, atendendo a peculiaridade da justiça nacional que, por motivo de interesse público, concede a determinadas pessoas, o foro especial, e então se fala em competência em razão das pessoas.

19.2.2.1 Competência razão da matéria (diz respeito à natureza da relação jurídica material da lide): A lei atribui a determinados órgãos competência exclusiva para conhecer e decidir certas lides por versarem sobre determinada matéria.

Por uma questão de método, ver-se-á primeiramente a competência dos órgãos de jurisdição superior, considerados de superposição e, eventualmente, de terceiro e quarto graus; depois cuidar-se-á da competência dos órgãos de segundo grau e dos juízes de primeiro grau.

Nos arts. 102, I, a, h, j, l, m e p, a CF. estabelece a competência originária do STF em razão da matéria;

Já o STJ tem sua competência originária determinada em razão da matéria no art. 105, I, e e f, da Carta Magna.

O art. 108, inciso I, alínea b, da CF estabelece a competência originária, em razão da matéria, dos Tribunais Regionais Federais.

A competência dos Tribunais locais, em razão da matéria, é regulada pela Constituição Estadual e pela Lei de Organização Judiciária local (ver Código Judiciário).

19.2.2.2 Competência em Razão da Matéria dos juízes federais, de primeiro grau:

Conquanto, na Justiça Federal ordinária de primeiro grau, a competência seja determinada, em regra, em razão das pessoas, nos casos previstos nas segunda e terceira hipóteses do art. 109, X[27], da CF, sua competência é em razão da matéria.

19.2.2.3 Competência em Razão da Matéria dos juízes locais de primeiro grau:

Competência residual: o que não competir às demais justiças, especiais, ordinária federal e aos demais órgãos judiciários, compete à justiça local de primeiro grau.

Nas comarcas de juiz único, sua competência é plena; diz-se que tem sua competência cumulativa.

Nas comarcas onde existem mais de um juiz, cumpre indagar se eles têm idênticas funções jurisdicionais, i.e., se têm competência cumulativa, ou se existem Varas Privativas ou Especializadas para causas que versem sobre determinadas relações jurídicas.

Assim, nas Comarcas com grande movimentação de feitos, como na Capital, por exemplo, além das Varas Cíveis e Criminais, há Varas da Família e das Sucessões, de Acidentes do Trabalho, de Registros Públicos etc., Vara da Infância e da Juventude.

19.2.3 COMPETÊNCIA EM RAZÃO DAS CONDIÇÕES DAS PESSOAS

Embora a Constituição Federal estabeleça como princípios basilares para a democracia, a liberdade e a igualdade, consignado em seu art. 5º, caput, e inciso XXXVII, respectivamente, "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade ..."; "não haverá juízo ou tribunal de exceção", isso não impede, entretanto, que a competência dos órgãos jurisdicionais ordinários se determine, em alguns casos, em razão da condição das pessoas. A própria CF, instituindo os juízes federais, cuja competência é quase toda em razão das pessoas em lide (art. 109), consagra esse critério. É curial que se frise que a competência assim se determina em casos especiais e pela circunstância do sujeito da lide ser pessoa jurídica de direito público, nacional ou estrangeira, órgãos ou pessoas que se lhes assemelham pelas funções que exerçam.

19.2.3.1 Competência, em Razão das Pessoas, do STF: Prevista no art. 102, inc. I, alíneas b, c, e, g, i, n, o e q.

19.2.3.2 Competência, em Razão das Pessoas, do STJ: Prevista no art. 105, inc. I, alíneas a, b, c, g, h e h.

19.2.3.3 Competência, em Razão das Pessoas, dos TRFs: Prevista no art. 108, inciso I, alíneas a, c, d e e.

19.2.3.4 Competência, em razão das Pessoas, dos Tribunais locais: Sãos nas respectivas Constituições Estaduais, em regra, que encontramos a competência dos Tribunais dos Estados. A Constituição do Estado de São Paulo, e.g., no art. 74, estabelece a competência originária cometida ao Tribunal de Justiça, em razão da qualidade das pessoas.

19.2.4 COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO VALOR ( é aquela competência fixada unicamente em consideração ao valor da causa (art. 258 do CPC). No campo da teoria geral da competência, contudo, não se pode entender por "valor da causa", apenas, o valor do bem estimado em dinheiro, pois excluiria esse elemento de fixação da competência, do campo processual penal. A propósito, afirma Hélio Tornaghi que, podendo a natureza da infração ser aferida por todos os critérios doutrinários, quando a quantidade da pena for o elemento determinante da competência, "deve enxergar-se aí a competência em razão do valor".

19.2.5 ATRIBUIÇÃO DAS CAUSAS AOS ÓRGÃOS

Na distribuição de competência, o constituinte e o legislador visam às vezes, preponderantemente, ao interesse público da perfeita atuação da jurisdição (v.g. na competência da jurisdição); às vezes, ao interesse particular e à comodidade das partes (v.g., na competência de foro, ou territorial). Além disso, às vezes é um dado que terá relevância na solução de um dos problemas; outras vezes, dois ou mais dados se conjugam na determinação da competência.

Genericamente, feitas essas indicações, podemos apresentar as regras básicas que preponderam na solução dos diversos "problemas da competência", sem a pretensão de esgotar a problemática da matéria, porque isso é tarefa a ser desempenhada nos estudos específicos de cada ramo do direito processual positivo (penal, civil, trabalhista, eleitoral, militar etc.).

A competência de jurisdição é distribuída na forma dos arts. 102, incs. I e respectivas alíneas, 105, inc. I e respectivas alíneas, 114, 121, 124, 125, §§ 3º e 4º, da CF.). Os dados levados em conta pelo constituinte são da seguinte natureza: a) natureza da relação jurídica material controvertida, para definir a competência das justiças especiais em contraposição à das comuns (arts. 114, 121 e 124); b) qualidade das pessoas, para distinguir a competência das Justiças Federal (comum) e das Justiças Estaduais ordinárias (art. 109), bem como das Justiças Militares estaduais e da União (art. 125, §§ 3º e 4º). A competência de jurisdição é típico fenômeno de competência, não tendo qualquer influência na jurisdição enquanto expressão do poder inerente ao Estado soberano (que todas justiças, indiferentemente, têm).

*Em alguns casos específicos a CF subtrai certas causas a todas as Justiças, atribuindo-as originariamente ao STF (art. 102, inc. I) ou ao STJ (art. 105, inc. I). Ela os faz, no mais das vezes, levando em conta a condição das partes ou a natureza do processo. Em outros raríssimos casos, subtrai-as ao próprio Poder Judiciário, atribuindo-as ao Senado (art. 52, incs. I e II) ou à Câmara do Deputados (art. 51, inc. I)[28].

A competência originária é, em regra, dos órgãos inferiores (primeiro grau ou primeira instância). Só excepcionalmente ela pertence ao STF (CF, art. 102, II), ao STJ (art. 105, II) ou aos órgãos de jurisdição superior de cada uma das Justiças (v.g., art. 29, inc. X, em que se considera a condição pessoal do acusado - prefeito.). Outros casos de competência originária dos tribunais de cada Justiça são estabelecidos em lei federal (CF, arts. 113, 121 e 124, § 1º) ou nas Const. Est. (CF, art. 125, § 1º).

* No Estado de São Paulo, com se disse, a competência originária do seu Tribunal de Justiça é ditada pelo art. 74 da CE (crimes comuns imputados ao Vice-Gov. e outras autoridades de alto escalão, mandados de segurança e habeas-data contra ato do Gov. e outras autoridades, certos mandados de injunção, ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal contestado em face da Const. Estadual). Em matéria penal, a competência atribuída aos Tribunais é denominada de competência por prerrogativa de função.

A competência de foro (ou territorial) é a que mais pormenorizadamente vem disciplinada nas leis processuais, principalmente no CPP e no CPC. Afora os casos excepcionais (foros especiais), podemos indicar as regras básicas que constituem o chamado foro comum: a) no processo civil, prevalece o foro do domicílio do réu (CPC, art. 94[29]); b) no processo penal, o foro da consumação do delito (CPP, art. 70[30]); c) no processo trabalhista, o foro da prestação dos serviços ao empregador (CLT, art. 651[31]).

*Foro é o território em cujos limites o juiz exerce a jurisdição. Nas Justiças do Estados o foro de cada juiz de primeiro grau é o que se chama comarca; na Justiça Federal é a seção judiciária. O foro do Tribunal de Justiça de um Estado é o território do Estado a que pertence; o foro dos TRTs é sua região, definida em lei (v. CF., art. 107, § ún. ). Foro é, então, sinônimo de competência territorial.

Considera-se foro comum aquele que corresponde a uma regra geral, que só não vale nos casos em que a própria lei fixar algum foro especial ( ex.: a residência da mulher nas ações de anulação de casamento, divórcio, alimentos, separação - art. 100, I, do CPC). Foros concorrentes são aqueles em que a escolha exclusiva cabe ao autor (local do fato ou domicílio do autor, na ação para indenização de danos decorrente de acidente de veículos - art. 100, § ún., do CPC). Foro subsidiário é que aquele determinado como sendo o domicílio ou residência do acusado, se não for conhecido o local da consumação da infração (CPP, art. 72[32]).

A competência do Juízo é determinada precipuamente: a) pela natureza da relação jurídica controvertida, ou seja, pelo fundamento jurídico-material da demanda (varas criminais ou civis; varas de acidentes do trabalho, família e sucessões, etc.; b) pela condição das pessoas (varas privativas da Fazenda Pública e Vara da Infância e da Juventude).

[A CF estabelece que, havendo questão de constitucionalidade a decidir em um processo em trâmite perante algum tribunal, essa questão será decidida necessariamente pelo plenário ou pelo órgão especial, por maioria absoluta de seus membros (arts. 93, inc. XI, e 97), ainda que o julgamento da causa ou recurso esteja afeto a uma câmara ou turma (a natureza do fundamento da demanda é o dado relevante). Além disso, no processo Civil, o juiz que tiver iniciado a instrução oral em audiência prosseguirá no processo até o fim, sentenciando (princípio da identidade física do juiz), salvo se transferido, promovido ou aposentado (CPC, art. 132). A competência das câmaras, grupos de câmaras, seções, turmas e plenário dos tribunais é ditada pela LOMN, Const. Est., Lei de Org. Jud. e Reg. Internos]. Nesses casos, fala-se da competência interna dos órgãos judiciários que é questão concernente à existência de mais de um juiz (pessoa física) no mesmo juízo (Comarca), ou de várias câmaras, grupos de câmaras, turmas ou seções no mesmo tribunal.]

A competência recursal pertence, em regra, aos tribunais: a parte vencida, inconformada, pede a manifestação do órgão jurisdicional mais elevado.

[Competência recursal é competência para os recursos interpostos contra decisões interlocutórias e definitivas. Significa a manifestação de inconformismo perante uma decisão desfavorável e pedido de substituição desta por outra favorável].

20. A “PERPETUATIO JURISDICTIONIS”. Exceções.

20.1 Regra: a competência, embora a lei procure, na medida do possível, fixá-la por critérios que melhor atendam aos interesses das partes e lhes façam justiça, interessa muito mais à jurisdição do que àquelas propriamente ditas. Daí a regra que consagra o princípio da perpetuatio jurisdictionis, fixando a competência no momento da propositura da ação, pouco importando as modificações de estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente (art. 87[33]). Se competência, p. e., foi determinada em razão do domicílio do réu, sua mudança futura não afeta a competência fixada. Da mesma forma, se o réu se torna incapaz e outro é o domicílio de seu represente, a competência não se altera em razão do art. 98 do Código.

20.2. Exceção: há, contudo, exceções ao princípio. A competência em razão da matéria é de ordem pública. Assim, se se criar em determinada comarca uma vara especializada de família, todas as causas respectivas se deslocam para ela. No art. 87, inclui-se, também, a competência em razão da hierarquia (retius: funcional), que pode ser originária ou recursal. Mudando a competência do órgão – diga-se que se passou a atribuir competência de determinada causa ao Tribunal de Justiça, quando era do Tribunal de Alçada – há o deslocamento instantâneo do recurso em andamento.

21. COMPETÊNCIA ABSOLUTA E RELATIVA. Modificação e Prorrogação.

A distribuição de competência, entre os vários órgãos jurisdicionais, como vimos, atende, às vezes, ao interesse público, e em outras, ao interesse ou comodidade das partes.

Quando se cuida da distribuição da competência entre Justiças diferentes (competência de jurisdição), entre órgãos superiores e inferiores (competência hierárquica: originária e recursal), entre varas especializadas (competência de juízo) e entre juízes do mesmo órgão judiciário (competência interna), é o interesse público que prevalece, ditando as regras, pois visa a perfeita atuação da jurisdição (interesse na própria função jurisdicional). Em princípio, prevalece o interesse das partes apenas quando se trata da distribuição territorial da competência (competência de foro - rationi loci).

21.1 Competência absoluta: em princípio, o sistema jurídico-processual não tolera modificações nos critérios estabelecidos, e muito menos em virtude da vontade das partes em conflito, quando se trata de competência determinada segundo o interesse público (competência de jurisdição, hierárquica, de juízo, interna, etc.). Iniciado o processo perante o juiz incompetente, este pronunciará a incompetência ainda que nada aleguem as partes (CPC, art. 113[34]; CPP, art. 109[35]), enviando os autos ao juiz competente, sendo todos os atos decisórios nulos pelo vício da incompetência, aproveitando-se, contudo, os demais atos do processo (CPC, art. 113, § 2º[36]; CPP, art. 567[37]).

[No processo civil a coisa julgada sana (relativamente) o vício decorrente da incompetência absoluta; mas, dentro de dois anos a contar do trânsito em julgado, pode a sentença ser anulada, através da ação rescisória (CPC, arts. 485, II e 495). No processo penal, a anulação, apenas quando se tratar de sentença condenatória, poderá ser alcançada através de revisão criminal ou habeas corpus, a qualquer tempo.]

21.2 Competência Relativa: em se tratando de competência de foro, o legislador pensa preponderantemente no interesse de uma das partes em se defender melhor (no processo civil, o interesse do réu - CPC, art. 94; no trabalhista, do economicamente mais fraco - CLT, art. 651). Assim sendo, a intercorrência de certos fatores (entre os quais, a vontade das partes - v.g., a eleição de foro: CPC, art. 111[38]) pode modificar as regras ordinárias de competência territorial. A competência, nesses casos, é então relativa. Assim, também, no processo civil, a competência determinada pelo critério do valor (CPC, art. 102)[39].

[No processo penal, em que o foro comum é o da consumação do delito (CPP, art. 70), prevalece o interesse público sobre o do réu, expresso no princípio da verdade real: onde os fatos aconteceram é mais provável que se consigam provas idôneas que o reconstituam mais fielmente no espírito do julgador. Por isso, costuma-se sustentar que muito se aniquila, no processo criminal, a diferença entre competência absoluta e relativa: esta pode ser examinada de ofício pelo juiz, o que não acontece no cível.]

Diante do exposto, podemos concluir que absoluta é a competência improrrogável (que não comporta modificação alguma); relativa é a competência prorrogável (que, dentro de certos limites, pode ser modificada). E a locução prorrogação de competência, de uso comum na doutrina e na lei, dá a idéia da ampliação da esfera de competência de um órgão judiciário, o qual recebe um processo para o qual não seria normalmente competente.

21.3 Causas de prorrogação de competência: prorrogação legal ® a própria lei admite a prorrogação da competência, que, por motivos de ordem pública, dispõe a modificação da competência. Isto ocorre nos casos em que, entre duas ações, haja relação de conexidade ou continência (CPC, arts. 102-104; CPP, arts. 76-77), visando: (a) evitar decisões contraditórias e (b) atender o ao princípio da economia processual, resolvendo-se dois conflitos de interesses semelhantes, através de um juiz e uma única convicção.

21.3.1 Prorrogação legal —> “reputam-se conexas duas ou mais ações, quando lhes for comum o objeto ou a causa de pedir” (CPC, art. 103)[40]-[41], e há “continência entre duas ou mais ações sempre que há identidade quanto às partes e à causa de pedir, mas o objeto de uma, por ser mais amplo, abrange o das outras " (CPC, art. 104)[42].

Em decorrência desses fatores, se uma das causas conexas ou unidas pela continência for da competência territorial de um órgão e outra delas for da competência de outro, prorroga-se a competência de ambos; a esse fenômeno chama-se prevenção que consiste em firmar a competência, para conhecimento e julgamento de ambas as causas, daquele que em primeiro lugar tomar conhecimento de uma dessas causas.

21.3.2 Prorrogação voluntária ® ditada pela vontade das partes, ocorre quando os sujeitos parciais do processo alteram as regras ordinárias de competência, com a renúncia de um deles da vantagem de demandar em determinado lugar concedida pela lei, antes da instauração do processo. Trata-se de eleição de foro, admitida apenas no processo civil (CPC, art. 111). É caso de prorrogação voluntária expressa.

Quando a ação é proposta em foro incompetente e o demandado não argúa a incompetência no prazo de 15 dias através de exceção de incompetência (CPC, art. 305), temos a prorrogação voluntária tácita.

* [Em processo penal, em que o foro comum não é determinado predominantemente no interesse do réu (mas em atenção ao princípio da verdade real), mesmo se o réu não opõe a exceção de incompetência no prazo de três dias (CPP, arts. 108, 395 3 537), o juiz pode a qualquer tempo dar-se por incompetente (CPP, art. 109)].

O desaforamento, em sede penal, nos processo afetos à competência do Tribunal do Júri, é outro caso de prorrogação de competência (às vezes legal; noutras, voluntária), o qual é determinado pela Instância Superior mediante requerimento do Réu, do Promotor de Justiça, ou mediante representação oficiosa do juiz, nos seguintes casos: a) interesse de ordem pública; b) dúvida sobre a imparcialidade do júri; c) risco à segurança pessoal do acusado (CPP, art. 424).

21.4 Prorrogação da competência e prevenção.

Como foi visto, as causas que determinam a prorrogação de competência não são fatores determinativos de competência do juízo. Competência é a quantidade de jurisdição cujo exercício é atribuído a cada órgão ou grupo de órgãos, i.é, a órbita dentro da qual todos os processos lhe pertencem. Essa esfera é determinada por causas diversas estudadas noutro ponto.

Prorrogação, ao contrário, acarreta a modificação, em concreto, na esfera de competência de um órgão, com referência a determinado processo: trata-se de uma modificação da competência já determinada segundo outros critérios.

Por outro lado, a prevenção de que a lei freqüentemente se refere (CPC, arts. 106, 107, e 219; CPP, arts. 70, § 3º, 75, § ún., e 83) não é fator de determinação nem de modificação da competência. Por força da prevenção, dentre vários juízes competentes, permanece apenas a competência de um, excluindo-se os demais. Prae-venire significa chegar primeiro; juiz prevento é o que em primeiro lugar tomou contato com a causa.

Exemplificando: se o senhorio propõe ação de despejo e cobrança de alugueis contra seu inquilino, e este, concomitantemente, propõe ação de consignação em pagamento dos aluguéis reclamados na ação de despejo (ações conexas pelo objeto), ambas as ações devem ser reunidas para processamento simultâneo. Os dois juízes a quem as respectivas ações foram distribuídas têm competência para julgar ambas as causas, porém só um deles julgará.

- Qual deles, então será o efetivamente competente para julgar as ações?

Através da prevenção, o que primeiro tiver despachado uma das ações será o competente para julgar as duas demandas conexas (CPC, art. 106)[43].

21.4.1 Aparente contradição entre os arts. 106 e 219 do CPC

O primeiro diz que se considera prevento o juiz que despachou em primeiro lugar, enquanto que o segundo alude que a citação válida torna prevento o juízo.

Para a compatibilização dos dois dispositivos legais, deve-se entender que, em se tratando de ações conexas entre magistrados da mesma competência territorial, de diversas varas de uma mesma Comarca, a prevenção é do juiz que despachou em primeiro lugar. Se, entretanto, concorrentes forem Comarcas diversas, a regra a ser observada é a do art. 219 do CPC, que diz: “A citação válida torna prevento o juízo ...”, sem qualquer referência à competência territorial dos órgãos judiciais envolvidos no problema da competência. Nesse caso, em que as demandas conexas correm perante juízes de diversas competências territoriais, a prevenção se opera em prol daquele onde se fez a citação válida.

Vê-se que, no tocante à prevenção, duas são as regras a serem observadas: a) a dos juízes da mesma competência territorial, cuja prevenção se opera em favor daquele que despachou em primeiro lugar, mandando proceder a citação do réu (CPC, art. 106); b) a dos juízes de competência territorial diversa, cuja prevenção se dá em favor daquele juiz que já implementou a citação válida.

21.5 Incompetência Absoluta. Atos decisórios. Aproveitamento dos atos

Declarada a incompetência absoluta, apenas os atos decisórios serão considerados nulos, devendo os autos ser remetidos ao juiz competente (CPC, art. 113,§). Os atos de decisão são a sentença e a decisão interlocutória (CPC, art. 162, §§ 1º[44] e 2º[45]). A sentença extingue o processo. Em conseqüência, proferida que seja, apenas em grau de recurso pode a nulidade por incompetência absoluta ser reconhecida.

Quanto às decisões que são proferidas no curso do processo (decisões interlocutórias), só são consideradas tais as que realmente resolvem questões precluíveis. O simples despacho de saneamento (ex. “nada a sanear”, não resolve questão alguma, mesmo porque o juiz está sempre saneando no processo.

Não se considera, também, como ato decisório o pronunciamento do juiz sobre os pressupostos processuais e condições da ação, sobre a coisa julgada, litispendência e perempção[46], porque são questões imprecluíveis (CPC, art. 267, § 3º)[47].

O juiz competente - ao receber o processo, o juiz competente deve declarar a nulidade dos atos decisórios, bem como a ineficácia dos subseqüentes que dele dependam (CPC, art. 248)[48]. Pode, entretanto, o juiz considerar eficazes atos posteriores, desde que sejam aproveitáveis sem vir de encontro à nova decisão proferida. Exemplo: O réu requereu a extinção do processo por abandono (art. 267, III) e o juiz incompetente, decidindo a questão, a indeferiu. Remetidos os autos, posteriormente, ao juiz competente, este deverá, naturalmente, reexaminar a decisão, mas, se ratificá-la, os atos posteriores não decisórios são perfeitamente aproveitáveis, por interpretação extensiva do art. 248 e a aplicação do princípio utile per inutile non vitiatur (o útil pelo inútil não é viciado – o útil não é viciado pelo inútil).

21.6 Incompetência e questão de mérito

A questão de competência, em se tratando de competência em razão da matéria, não raro é confundida com o próprio mérito da causa. Uma Ação de Cobrança, por empreitada, por exemplo, ingressa na Justiça Comum, órgão judiciário competente para julgá-la. Na instrução do feito, o juiz verifica que não se trata de empreitada, mas de relação de emprego. A questão não é de incompetência. O juiz não pode declinar de sua competência para a Justiça do Trabalho e sim julgar o pedido, dando-o por improcedente, porque o fundamento da causa (empreitada) não foi provado. Isto é mérito.

Contudo, se no mesmo exemplo, a autor, descrevendo claramente relação de emprego, pede pagamento pelo trabalho prestado, o juiz deve declinar para a Justiça do Trabalho, porque a matéria descrita na causa de pedir é realmente trabalhista. Da mesma forma proceder-se-ia no oposto, se a ação fosse distribuída na Justiça Trabalhista.

Outro exemplo: a ação rescisória é da competência dos tribunais. Quando ela for proposta na Justiça de primeiro grau, o juiz deve decliná-la para o órgão superior competente. Se, entretanto, a mesma rescisão for pleiteada em forma de procedimento comum, com simples pedido de decretação de nulidade do ato, e a hipótese não ocorrer, a parte deve ser julgada carecedora de ação, por falta de interesse processual, já que há inadequação do pedido, sem possibilidade de declaração de incompetência, não podendo o juiz julgar além do pedido do autor (art. 128).

21.7 Incompetência absoluta e a coisa julgada.

Não mais sujeita a recurso, a sentença recebe o manto protetor da coisa julgada, tornando-se imutável e indiscutível (art. 467)[49].

A coisa julgada torna, portanto, definitiva a decisão, com plena força de lei nos limites da lide e das questões decididas (art. 468)[50]. Isto quer dizer que a coisa julgada sana todas as nulidades processuais, inclusive a que decorre de incompetência absoluta. Assim, a decisão, mesmo se proferida por órgão jurisdicional absolutamente, tem ela plena eficácia, podendo adquirir imutabilidade definitiva, só rescindível pela ação rescisória ((CPC, art. 485, II)[51], se a pretensão for exercida no prazo de dois anos (CPC, art. 495)[52].

21.8 Declaração de Incompetência Absoluta. Alegação tardia.

A incompetência absoluta, como já vimos, deve ser declarada de ofício pelo juiz. Porém, se ele não o fizer, o réu deve alegá-la no prazo da contestação (CPC, art. 113, § 1.º)[53], como matéria preliminar de defesa (art. 301,II) e não por exceção (art. 307). Isto quer dizer que a mera alegação de incompetência absoluta, embora procedente, não suspende o processo, como ocorre com a exceção (art. 306). O réu deve alegá-la e contestar. Se não o fizer, responde integralmente pelas custas (art. 113, § 1.º), custas estas do juízo incompetente e despesas de remessa.

21.8.1 Efeitos da argüição

O CPC só previu a suspensão do processo, no art. 265, III, em caso de ser oposta a exceção de incompetência (relativa). Porém, como a razão é a mesma, por analogia, deve ser suspenso o andamento da causa, mesmo se a argüição for em simples petição, como se acima exposto[54]. A questão, entretanto, não é pacífica na doutrina. Há quem sustenta que, alegando apenas a incompetência, com ou sem o reconhecimento desta, pode ocorrer a revelia que não depende de qualquer ato decisório, mesmo enquanto o processo tramita no juízo incompetente.[55] Preferimos o primeiro entendimento.

21.8.2 Ausência de alegação por réu revel

Pode acontecer que o réu não tenha vindo em nenhum momento ao processo; se, nesse caso, o juiz reconhecer mais tarde, de ofício, sua incompetência, não deve ser aplicada a sanção do § 1.º. Isto porque, a sanção se destina a punir a malícia, a fraude, na omissão em argüir, desde logo, a incompetência. Ao réu, que não esteve presente ao processo em qualquer oportunidade, não se pode atribuir essa conduta maliciosa. Nem se lhe poderia atribuir erro grosseiro, porque este, se existiu, partiu do autor, que escolheu mal o juízo onde propôs a ação.

21.9 Incompetência Relativa. Processos e procedimentos cabíveis. Processamento da Exceção e recursos

No procedimento ordinário, a exceção poderá ser oferecida em quinze dias, o mesmo prazo da contestação e reconvenção (art. 305)[56], iniciando-se o prazo da data da juntada aos autos do mandado de citação devidamente cumprido ou do AR se a citação for pelo correio (art. 241, I e II).

No procedimento sumário, a exceção deve ser interposta na própria audiência (art. 278), entendida a expressão ‘resposta’ com a ela extensiva.

Nos procedimentos especiais, a exceção é sempre interposta no prazo da contestação, seja pelo princípio da eventualidade, seja porque a ausência de argüição no prazo importa em aceitação da competência.

Na execução, a alegação de incompetência pode ser exclusiva matéria de embargos (art. 741, VII) e por exceção na forma do art. 742.

No processo cautelar, o prazo é também o de defesa estipulado na lei.

A exceção pode ser oferecida antes da contestação e reconvenção. Como é recebida no efeito suspensivo (art. 306)[57], o prazo para a defesa do réu só se reinicia depois que a exceção for definitivamente julgada. O réu poderá optar pela apresentação simultânea de todas as defesas, o que invariavelmente ocorre.

A exceção deve ser argüida em petição autônoma, à parte, com fundamentação e documentação respectivas, sendo imprescindível a indicação do juiz para o qual declina (art. 307)[58], sob pena de indeferimento liminar.

O recebimento da exceção, suspende o andamento do processo (art. 306), devendo, por isso, ser autuada em apenso.

A exceção pode ser indeferida in limine, quando manifestamente improcedente (art. 310).

Recebida e “conclusos os autos, o juiz mandará processar a exceção, ouvindo o excepto dentro em dez dias e decidido em igual prazo” (art. 308); “havendo necessidade de prova testemunhal, o juiz designará audiência de instrução, decidindo dentro de dez dias” (art. 309).

Julgada procedente a exceção, o processo deve ser remetido ao juízo competente (art. 311).

Se o juiz declinado não aceitar a competência, poderá suscitar o conflito negativo de competência ao Tribunal competente (art. 115, II).

Como se trata de ato decisório (decisão interlocutória), aquele que indeferir a exceção é agravável, por agravo retido ou por instrumento.

Porém, se a exceção for acolhida, só caberá o recurso se o juiz declinado aceitar a competência.

22. AÇÃO: Instrumento de provocação da jurisdição

Já vimos, no decorrer do curso, que o direito objetivo ¾ complexo de normas providas de eficácia e vigorantes em determinados lugares (norma agendi, para os romanos) ¾ tutela certos e determinadas categorias de interesses, regulando, outrossim, os respectivos conflitos. Por conflito de interesses regulado pelo direito, dá-se o nome de relação jurídica. Essa se passa, em regra, entre pessoas, titulares dos interesses conflitantes: o sujeito ativo ou do interesse protegido, que será também o do direito subjetivo, quando a proteção do interesse dependa necessariamente do concurso da vontade do seu titular; o sujeito passivo, ou do interesse subordinado, ou da obrigação.

De ordinário, os conflitos de interesses se resolvem pela subordinação dos seus sujeitos às ordens abstratas da lei que os regula. É a composição normal dos litígios, bastando o respeito à ordem jurídica, às normas de direito objetivo, para que os interessados se componham segundo o que elas prescrevem.

Entretanto, nem sempre é assim. Não raro, as partes conflitantes não acomodam espontaneamente seus interesses, na conformidade da sua regulamentação jurídica. Um dos sujeitos manifesta sua vontade de exigir a subordinação do interesse do outro ao próprio (pretensão), manifestando, assim, uma pretensão. Isso acontecendo, o sujeito do interesse oposto pode assumir uma de duas atitudes: ou se conforma com a subordinação do seu interesse ou resiste à pretensão daquele a essa subordinação. No primeiro caso o conflito ainda se compõe pacificamente; na segunda hipótese, contudo, o conflito se dinamiza, configurando-se a lide, que é, como já disse, o conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida.

A lide, como já vimos, perturba a paz social, convindo a esta que se componha com brevidade, solucionando-se o conflito segundo a ordem jurídica, restabelecendo-a.

Vedada que é a autotutela ou autodefesa (salvante aqueles raríssimos casos em que a lei a permite) e dado que o Estado reservou para si, como um dos seus poderes, a função jurisdicional, cabe-lhe, no exercício dessa função, dirimir a lide com justiça, ou seja, conforme a vontade da lei reguladora do conflito.

Contudo, como também já foi visto, a jurisdição é uma função provocada, exercitando-a o Estado por solicitação de quem lhe exponha uma pretensão a ser tutelada pelo direito (CPC, art. 2º).

Essa provocação do exercício da função jurisdicional ¾ feita pelo sujeito do conflito de interesses, deduzindo sua pretensão no sentido de que se componha o litígio, condição primeira para tal função se exerça e se instaure o processo ¾ é a ação.

Ação, jurisdição e processo é o trinômio que enfeixa o fenômeno da resolução do conflito de interesses; a ação provoca a jurisdição, que se exerce através de um complexo de atos, que é o processo.

22.1 AÇÃO: NATUREZA JURÍDICA

O reconhecimento da autonomia do direito de ação, constitui conquista definitiva da ciência processual. O direito de ação se desvincula por completo do direito subjetivo material. Mas, para se chegar a tais conceitos, longo foi o caminho percorrido, construindo-se diversas teorias a respeito .

22.1.1 Teoria Imanentista ou civilista: Segundo conceituação romana de Celso, a ação era o direito de pedir em juízo o que nos é devido.

Esse conceito, plasmado na idéia de que não havia distinção entre a ação e o direito substancial, perdurou por séculos, não sem deixar de suscitar indagações sobre a natureza do jus actionis, a que se entregaram os juristas dominados pela idéia de que a ação, como o processo, eram simples capítulos do direito privado, ou mais declaradamente, do direito civil.

Formou-se, assim, a doutrina clássica ou imanentista (ou, também, denominada civilista, quando se refere a ação civil), tendo seu precursor mais ilustre Savigni, abraçada pela generalidade dos juristas, até meados do séc. passado, e a totalidade dos juristas brasileiro até final do primeiro quartel deste século. Para essa doutrina a ação era o próprio direito subjetivo material a reagir contra a ameaça ou violação. O que caracteriza essa teoria é que a ação se prende indissoluvelmente ao direito que por ela se tutela. Era o direito em movimento como conseqüência de sua violação; direito em exercício; a ação não é outra coisa senão o próprio direito subjetivo material. Daí três conseqüências inevitáveis: não há ação sem direito; não há direito sem ação; a natureza da ação segue a natureza do direito.

22.1.1.1 A Polêmica de Windschied-Muther

Na metade do séc. passado (entre 1856 e 1857) estabeleceu-se na Alemanha uma polêmica que se tornou célebre, pelos reflexos que suscitou, entre Bernhard Windscheid (Univ. Greifswald) e Theodor Muther (Univ. Königsberg) sobre a actio romana no seu desenvolvimento até a ação no direito contemporâneo. Além de desvendar verdades até então ignoradas ou ainda pouco sensíveis, a polêmica teve a virtude de pôr em destaque, e separados por conteúdos próprios, o direito (material) e a ação.

Muther, combatendo algumas idéias de Windscheid, distinguiu nitidamente direito lesado e ação. Segundo sua concepção, ação consiste no direito à tutela do Estado, e que compete a quem seja ofendido no seu direito. Ação é um direito contra o Estado para invocar a sua tutela jurisdicional. É, pois, um direito público subjetivo, distinto do direito cuja tutela se pede, mas tendo por pressupostos necessários este direito e sua violação. Pela concepção de Muther, da ação nascem dois direitos, ambos de natureza pública: o direito do ofendido à tutela jurídica do Estado (dirigido contra o Estado) e o direito do Estado à eliminação da lesão, contra aquele que a praticou. Apesar de contestar com veemência algumas idéias do adversário, Windscheid acabou admitindo a existência de um direito de agir, exercível contra o Estado e outro contra o devedor, porém um pressuposto do outro, embora distintos, já que um é direito privado e ou outro é de natureza pública. Distinguia-se, destarte, o direito subjetivo material, a ser tutelado, do direito de ação, que era direito subjetivo público. Assim, tem-se que a doutrina desses dois autores mais se completam do que se repelem, dando nova roupagem ao conceito de ação.

22.1.2 Teoria do direito concreto à tutela

Dessas novas e revolucionárias idéias partiram outros estudiosos para demonstrar, de maneira irrefutável, a autonomia do direito de ação.

Em 1885, ainda na Alemanha, Adolpho Wach, um dos fundadores da processualística contemporânea, contribui com a demonstração de um dos caracteres do direito de ação ¾ o da sua autonomia. A ação é um direito autônomo, no sentido de que não tem, necessariamente, por base um direito subjetivo, ameaçado ou violado, porquanto também há lugar a ação para obter uma simples declaração da existência ou inexistência de uma relação jurídica, o que ocorre com as chamadas ações meramente declaratórias. Segundo Wach, a ação, direito autônomo, com base no direito subjetivo material ou num interesse, se dirige contra o Estado e contra o adversário, visando à proteção jurisdicional daquele (Estado), mas também contra o adversário, do qual se exige sujeição. Entretanto, como o direito à tutela jurisdicional só pode ser satisfeito através da proteção concreta, a ação só existiria quando a sentença fosse favorável. A ação, pois, seria um direito público e concreto (ou seja, um direito existente nos casos concretos em que existisse o direito subjetivo).

22.1.3 Teoria da ação como direito potestativo

Coube a Chiovenda, discípulo de Wach, formular essa discutida e engenhosa teoria. Ação é um direito autônomo, sim, mas, diversamente de Wach, não se dirigia contra o Estado, mas contra o adversário, ou, mais precisamente, em relação ao adversário. O direito de ação, segundo esse mestre italiano, não é um direito subjetivo ¾ porque não lhe corresponde a obrigação do Estado ¾ e muito menos de natureza pública, já que dirigida contra o adversário, correspondendo-lhe a sujeição. O titular do direito de ação tem o direito, que é ao mesmo tempo um poder, de produzir, em seu favor, o efeito de fazer funcionar a atividade jurisdicional do Estado, em relação ao adversário, sem que este possa obstar aquele efeito. O direito de ação é um direito potestativo, um direito de poder, como tal entendendo-se o direito tendente à produção de um efeito jurídico a favor de um sujeito e com ônus para outro, o qual nada deve ou pode fazer para evitar tal efeito, ficando sujeito à sua produção. Assim, conclui Chiovenda que a ação é o poder jurídico de realizar a condição necessária para a atuação da vontade da lei. Em última análise, a teoria chiovendiana configura a ação como um direito de poder, sem obrigação correlata, que pertence a quem tem razão contra quem não a tem. Visa a atuação concreta da lei; é condicionada por tal existência, por isso tem caráter concreto. Não deixa, portanto, de ser o direito à obtenção de uma sentença favorável.

22.1.4 Teoria da Ação como direito abstrato

Em contraposição às várias teorias que concebem a ação como o direito de obter uma providência jurisdicional favorável em sentido concreto, surgiu na Alemanha, com Degenkolb e, quase concomitantemente, com Plosz, na Hungria, a chamada teoria da ação no sentido abstrato. Por esses processualistas não bastava distinguir a ação do direito material invocado, ao qual aquela se condiciona. Ao reverso da teoria concreta, que condiciona a existência da ação ao acolhimento dela pela sentença, para a teoria abstrata não deixa de haver ação quando uma sentença justa nega o direito invocado pelo autor, como também quando a sentença conceda o direito a quem não o tenha realmente. Isso quer dizer que o direito de ação independe da existência efetiva do direito invocado. O direito de ação exige apenas que o autor faça referência a um interesse seu, protegido em abstrato pelo direito, ficando o Estado, tão-só por isso, obrigado a exercer a sua atividade, proferindo uma sentença, ainda que contrária aos interesses do acionante.

Sintetizando, os partidários dessa teoria sustentam que existem dois interesses distintos: a) o interesse tutelado pelo direito e b) o interesse na tutela daquele pelo Estado. "Toda pessoa que é titular de interesses tutelados pelo direito ¾ escreve ALFREDO ROCCO ¾ tem interesse em que o Estado intervenha para a satisfação desses interesses", sempre que a norma que os tutela não atue naturalmente.

Ao interesse principal – direito tutelado pelo ordenamento jurídico – corresponde interesse secundário, consistente "na eliminação de certos obstáculos que se opõem à direta realização da utilidade principal" contida naquele.

A intervenção do Estado para a realização dos interesses tutelados, não só por sua importância como também porque implica a atividade de um sujeito diverso do sujeito dos interesses principais, é uma utilidade que se busca de modo especial, adquirindo, assim, uma existência autônoma e distinta à das utilidades principais a que em última análise se refere.

Mas esse interesse secundário, ou "interesse social especial", no que mais se distingue do interesse principal é em não variar, não obstante variem os interesses principais a que se refere. É assim o interesse secundário um "interesse abstrato e geral", pois permanece o mesmo sempre, não obstante variem os interesses singulares concretos cuja satisfação, em cada caso, possa seu titular aspirar. Pode-se, com isso, dizer: cada titular de direitos subjetivos tem um único interesse abstrato e secundário em obter a intervenção do Estado para a realização de seus interesses tutelados pelo direito.

Conseqüentemente, direito de ação é um direito abstrato e geral, que não se condiciona necessariamente à existência efetiva de um direito subjetivo material, bastando que o sujeito do direito de ação, para exercê-lo, se refira a um interesse primário juridicamente protegido.

Em suma, para ALFREDO ROCCO, direito de ação "é um direito público subjetivo do indivíduo contra o Estado, e só contra o Estado, que tem por conteúdo substancial o interesse secundário e abstrato na intervenção do Estado para a eliminação dos óbices que a incerteza ou a inobservância da norma aplicável ao caso concreto possam opor à realização dos interesses tutelados"[59].

Do estudo dessas várias e importantes teorias, é possível extrair um conceito de ação e a sua natureza jurídica.

Concebida a ação como direito de provocar a prestação jurisdicional do Estado, está afastada a idéia de ação no sentido concreto. Provocando a jurisdição a um pronunciamento, a ação não pode exigir senão isso, e não uma decisão de determinado conteúdo. É por isso um direito abstrato, porque exercível por quem tenha ou não razão, o que será apurado somente na sentença, e, além do mais, genérico, pois não varia, é sempre o mesmo, por mais diversos que sejam os interesses que, em cada caso, possam os seu titulares aspirarem.

A ação, em síntese, é um direito subjetivo público, distinto do direito subjetivo privado invocado, ao qual não pressupõe necessariamente, e, pois, nesse sentido, abstrato; genérico, porque não varia, é sempre o mesmo; tem por sujeito passivo o Estado, do qual visa a prestação jurisdicional num caso concreto.[60]

22.1.5 Natureza jurídica da ação

A ação se caracteriza, pois, como uma situação jurídica de que desfruta o autor perante o Estado, seja ela um direito (direito público subjetivo) ou um poder. Entre os direitos públicos subjetivos, caracteriza-se mais especificamente como direito cívico, por ter como objeto uma prestação positiva por parte do Estado (obrigação de dare, facere, praestare): a facultas agendi do indivíduo é substituída pela facultas exigendi.

Sendo um direito (ou poder) de natureza pública, que tem por conteúdo o exercício da jurisdição, a ação tem inegável natureza constitucional (CF, art. 5º, inc. XXXV). A garantia constitucional da ação tem como objeto o direito ao processo, assegurando às partes não somente a resposta do Estado, mas ainda o direito de influir sobre a formação do convencimento do juiz – através do denominado devido processo legal (art. 5º, inc. LIV).

22.1.6 Ação Penal

Tudo o que foi dito sobre o direito de ação aplica-se também no direito penal, obviamente, com suas peculiaridades.

O ius puniendi do Estado permanece em abstrato, enquanto a lei penal não é violada. Mas com a prática da violação, caracterizando-se o descumprimento da obrigação preestabelecida na lei por parte do transgressor, o direito de punir sai do plano abstrato e se apresenta no concreto.

Como o Estado, da mesma forma que o cidadão, não pode auto-executar a sua pretensão punitiva, deverá fazê-lo dirigindo-se a seus juízes, postulando a atuação da vontade concreta da lei para a possível satisfação daquela. O direito de pedir o provimento jurisdicional nada mais é que própria ação.

O Estado, portanto, através do Ministério Público, exerce a ação, a fim de ativar a jurisdição penal; o Estado-administração deduz sua pretensão perante o Estado-juiz, de forma análoga à que ocorre quando o Estado-administração se dirige ao Estado-juiz para obter um provimento jurisdicional não-penal.

A ação penal, assim, não difere da ação civil quanto à sua natureza, mas somente quanto ao seu conteúdo: é o direito público subjetivo a um provimento do órgão jurisdicional sobre a pretensão punitiva.

22.1.7 Elementos da Ação

Cada direito subjetivo, concretamente considerado, é uma unidade, tem uma individualidade que o identifica. Assim, o crédito que um comerciante tem contra TÍCIO é distinto do crédito que tem contra CAIO, pois diversos são os obrigados; se tem dois créditos, um real e outro quirografário, contra o mesmo devedor, um e outro se distingue pela natureza dos títulos etc..

O mesmo se dá com o direito de ação, considerado como uma realidade. A ação se individualiza e se identifica por seu elementos constitutivos.

Dado que a ação é o direito de pedir ao Estado a prestação da atividade jurisdicional num caso concreto, isso quer dizer que ela se conexiona a um caso concreto, a uma lide, e, por conseguinte, a uma pretensão. Assim, os elementos da ação deverão ser considerados na sua conexão com os elementos da pretensão.

Quem age formula uma pretensão quanto a um bem em relação a outrem, pedindo ao Estado, a quem a justifica, uma providência jurisdicional, que a tutele. Desses dados, que se encontram em todas as ações, resulta que são elementos da ação: a) um sujeito ativo e um sujeito passivo (partes - partem); b) uma providência jurisdicional sobre uma pretensão quanto a um bem (objeto, pedido - petitum); c) a causa do pedido, as razões que suscitam a pretensão e a providência (causa de pedir - causa petendi).

22.1.7.1 Partes (partem) – são as pessoas que participam do contraditório perante o Estado-juiz. É aquele que deduz a pretensão (autor), bem como aquele que se vê envolvido pelo pedido (réu), de maneira que sua situação jurídica será objeto de apreciação judiciária.

22.1.7.2 Pedido (petitum) – o objeto da ação é o pedido do autor. Não se concebe o ingresso de alguém em juízo senão para pedir ao órgão jurisdicional uma medida, ou provimento. O autor, com a ação, ingressa em juízo pedindo uma providência jurisdicional quanto a um bem pretendido, material ou imaterial. Assim, o objeto, i.e., o pedido (res, petitum) é imediato ou mediato. Imediato quanto à providência jurisdicional solicitada: sentença condenatória, declaratória, constitutiva ou mesmo providência executiva ou cautelar. Pedido mediato é a utilidade que se quer alcançar pela sentença, ou providência jurisdicional, i.e., o bem material ou imaterial pretendido pelo autor. Na ações declaratórias (CPC, art. 4º), o pedido mediato se confunde com imediato, porque na simples declaração da existência ou inexistência da relação jurídica se esgotam a pretensão do autor e a finalidade da ação.

22.1.7.3 Causa de pedir (causa petendi) - a quem invoca uma providência jurisdicional quanto a um bem pretendido, cumpre dizer no que se funda o seu pedido. Ao autor impõe-se a narrativa dos fatos dos quais deduz ter o direito que alega. Esses fatos constitutivos, a que se refere o art. 282, inc. III, do CPC, e o fato criminoso mencionado no art. 41 do CPP, também concorrem para a identificação da ação proposta. Duas ações de despejo, entre as mesmas partes, referentes ao mesmo imóvel, serão diversas entre si se uma delas se fundar na falta de pagamento dos aluguéis e a outra em infração contratual de outra natureza. O mesmo se dá quando contra a mesma pessoa pesam acusações por dois delitos da mesma natureza, cometidos mediante ações diversas.

22.1.7.3.1 O Fato e os Fundamentos Jurídicos do Pedido

Doutrina da substanciação: no direito penal é a espécie jurídica do fato, a sua qualificação jurídica, não a imputação legal. No direito civil: "o fato e os fundamentos jurídicos do pedido".

Isto quer dizer que, no direito processual brasileiro, a causa de pedir é constituída do elemento fático e da qualificação jurídica que deles decorre, abrangendo, portanto, a causa petendi próxima e a causa petendi remota. A causa de pedir próxima são os fundamentos jurídicos que justificam o pedido, e a causa de pedir remota são os fatos constitutivos. O Código adotou, então, a descrição dos fatos dos quais decorrem a relação do direito e não apenas esta, em contraposição à teoria da individualização, segunda a qual bastaria a afirmação da relação jurídica fundamentadora do pedido. Em outras palavras, pode-se afirmar que, para a teoria da substanciação, os fatos constituem e fazem nascer a relação jurídica de que decorre o pedido; para a teoria da individualização, relação jurídica causal é suficiente para tanto.

O Código exige que o autor exponha na inicial o fato e os fundamentos jurídicos do pedido. Por esse modo exige que na inicial se exponha não só a causa próxima – os fundamentos jurídicos, a natureza do direito controvertido – como também a causa remota – o fato gerador do direito.

Assim, na ação em que o pedido é o pagamento da dívida, deverá o autor expor que é credor por força de um ato ou contrato (causa remota) e que a dívida se venceu e não foi paga (causa próxima). Na ação de anulação de contrato, deverá o autor expor o contrato (causa remota) e o vício, que o macula, dando lugar à anulação (causa próxima). Assim, nesse último exemplo, o autor poderá propor anulação do contrato com fundamento em erro e, não tendo êxito na ação, propor outra com fundamento em outro vício. Nas ações reais, a causa próxima é o domínio e os fatos que violam, e a causa remota, o modo de aquisição do domínio, o título de aquisição

22.7.4 Identificação das Ações

Como cada ação tem uma individualidade, que a identifica, e essa individualidade se infere dos elementos que a compõem, segue-se que duas ações são idênticas quando entre elas houver: a) identidade de partes (eadem personae); b) identidade de objeto (eadem res); c) identidade de causa de pedir (eadem causa petendi).

É tão importante identificar a ação, que a lei exige a clara indicação dos elementos identificadores logo no ato introdutório da demanda, ou seja, na petição inicial de qualquer processo: cível (CPC, art. 282, incs. II, III e IV); trabalhista (CLT, art. 840, § 1º) e na denúncia ou queixa-crime (CPP, art. 41), sob pena de indeferimento liminar da petição inicial (CPC, arts. 284 e 295, par. ún., inc. I).

22.8 Condições da Ação

Já vimos que a ação é o direito de pedir ao Estado a prestação de sua atividade jurisdicional num caso concreto. Assim o direito de agir se conexiona a um caso concreto (embora dele não dependa necessariamente para subsistir), que se manifesta na pretensão, que o autor formula e para a qual pede a tutela jurisdicional. A manifestação do órgão jurisdicional, acolhendo ou não, tutelando ou não, a pretensão formulada será uma decisão de mérito, de procedência ou de improcedência do pedido e, pois, da ação.

Embora abstrato e ainda que genérico, o direito constitucional de ação, até para que não se converta em abuso, pode ter o seu exercício condicionado pela lei ordinária.

São as chamadas condições da ação (possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e legitimação ad causam), ou seja, condições para que legitimamente se possa exigir, na espécie, o provimento jurisdicional. Por isso, o direito de ação se subordina a certas condições, em falta das quais, de qualquer delas, quem o exercita será declarado carecedor dele, dispensando o órgão jurisdicional de decidir do mérito de sua pretensão. Mas ainda que a resposta do juiz se exaura na pronúncia de carência da ação (porque não se configuraram as condições da ação), terá havido exercício da função jurisdicional.

22.8.1 Possibilidade jurídica do pedido – embora o direito de ação seja distinto do direito material a que visa tutelar, a proposta é da obtenção de uma providência jurisdicional sobre uma pretensão tutelada pelo direito objetivo. Ou seja, o pedido deverá consistir numa pretensão que, em abstrato, seja tutelada pelo direito objetivo, isto é, admitida a providência jurisdicional solicitada pelo autor. Pode ocorrer que determinado pedido não tenha a menor condição de ser apreciado pelo Poder Judiciário, porque já excluído a priori pelo ordenamento jurídico sem qualquer consideração das peculiaridade do caso concreto. Ex. as dívidas de jogo, que o art. 1.477 do Cc.: "as dívidas do jogo, ou aposta, não obrigam a pagamento; mas não se pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo, ou se o perdente é menor, ou interdito".

22.8.2 Interesse de agir - Já acentuamos que a ação visa obter uma providência jurisdicional quanto a uma pretensão e, pois, quanto a um bem jurídico pretendido pelo autor. Há, assim, na ação, como seu objeto, um interesse de direito substancial, consistente no bem jurídico, material ou incorpóreo, pretendido pelo autor, denominado interesse primário.

Mas há outro interesse que move a ação. É o interesse na obtenção de uma providência jurisdicional quanto àquele interesse. Por outras palavras há o interesse de agir, de reclamar a atividade jurisdicional do Estado, para que este tutele o interesse primário ou direito material.

Diz-se, pois, que o interesse de agir é um interesse secundário, instrumental, subsidiário, de natureza processual, consistente na necessidade de obter uma providência jurisdicional para alcançar o resultado útil previsto no ordenamento jurídico em seu benefício.

É preciso, pois, sob esse prisma, que, em cada caso concreto, a prestação jurisdicional solicitada seja necessária e adequada.

22.8.2.1 A necessidade da tutela repousa na impossibilidade de obter a satisfação do alegado direito sem a intercessão do Estado – ou porque a parte contrária se nega a satisfazê-lo, sendo vedado ao autor o uso da autotutela, ou porque a própria lei exige que determinados direitos só possam ser exercidos mediante prévia declaração judicial (são as chamadas ações constitutivas necessárias, no processo civil, e a ação penal no processo penal).

22.8.2.2 Adequação – é a relação existente entre a situação lamentada pelo autor ao vir em juízo e o provimento jurisdicional solicitado. O provimento deve ser apto a corrigir o mal de que o autor se queixa. Quem alega, e.g., adultério do cônjuge não pode dele se servir como fundamento para a anulação de casamento, mas o divórcio, porque aquela exige a existência de vícios que inquinem o vínculo matrimonial logo na sua formação, sendo irrelevantes fatos posteriores. O mandado de segurança, ainda como exemplo de inadequação, não é medida hábil para a cobrança de créditos pecuniários.

Enfim, o que move a ação é o interesse na composição da lide (interesse de agir), não o interesse em lide (interesse substancial). CPC, art. 3º: "para propor ou contestar a ação é necessário ter interesse e legitimidade".

22.8.3 Legitimidade "ad causam" (Qualidade para agir) – a terceira condição da ação é a qualidade para agir, legitimidade ou legitimação para agir (legitimatio ad causam). O autor deve ter título em relação ao interesse que pretende ver tutelado. Por outras palavras, o autor deverá ser titular do interesse que se contém na sua pretensão com relação ao réu. Reproduza-se o teor do art. 3º do CPC: "para propor ou contestar a ação é necessário ter interesse e legitimidade". Em princípio, são legitimados para agir, ativa e passivamente, os titulares dos interesses em conflito (legitimação ordinária).

Contudo, em alguns casos, a lei concede direito de ação a quem não seja o titular do interesse substancial, mas a quem se propõe a defender interesse de outrem. Assim, no caso do gestor de negócio, em defesa do interesse do gerido[61]; no do condômino, em defesa da propriedade em comum, compropriedade, ou condomínio[62]; do marido em defesa dos bens dotais da mulher[63]. Nesses casos, de legitimação dita extraordinária, surge a figura do substituto processual, função exercida pelo Ministério Público que, agindo em nome próprio, defende sempre o interesse público e indisponível de certas pessoas. A legitimação extraordinária está contemplada no art. 6º do CPC: "ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei".

A CF/88 ampliou sobremaneira os estreitos limites do referido dispositivo legal, mercê de acesas críticas da doutrina por impedir, com seu individualismo, o acesso ao Poder Judiciário, mormente para a defesa de interesses difusos e coletivos. O caminho evolutivo havia se iniciado com a lei de ação civil pública em defesa do meio ambiente e dos consumidores (lei 7.347/85) que legitimou, além do Ministério Público e de outros órgãos do Poder Público, as associações civis representativas; e depois foi incrementado pela CF que abriu a legitimação a diversas entidades para a defesa de direitos supraindividuais (art. 5º, incs. XXI e LXX; art. 129, inc. III e § 1º, art. 103 etc.).

22.9 Carência da Ação – a falta de qualquer das condições da ação importará na carência desta, implicando na extinção do processo (CPC, art. 267: "extingue-se o processo, sem julgamento do mérito: (...) VI - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual. Há quem sustente que, nessa situação, o autor não tem direito de ação (ação inexistente) e quem defenda que lhe falta o direito ao exercício desta. A conseqüência é que o juiz, exercendo embora o poder jurisdicional, não chegará a apreciar o mérito, ou seja, o pedido do autor, acolhendo ou rejeitando-o.

22.10 Classificações das Ações

Já se viu que a tutela jurisdicional se manifesta por meio de decisão, ou meio de atos de execução, ou por meio de medidas cautelares ou preventivas. A tutela jurisdicional sob forma de decisão do mérito da causa pressupõe um processo de conhecimento. A tutela de execução reclama atos executórios que realizem praticamente a sentença proferida em ação de conhecimento ou títulos extrajudiciais a que a lei atribui eficácia executiva. A tutela jurisdicional cautelar visa a acautelar interesses das partes em perigo pela demora da providência jurisdicional de conhecimento ou de execução.

Conforme se trate de tutela jurisdicional de conhecimento, de execução, preventiva ou cautelar, se classificam as ações em ações de conhecimento, ações de execução e ações cautelares.

22.10.1 Ações de Conhecimento: O processo, de que se vale o órgão jurisdicional, se diz de conhecimento, porque através dele se conhecerá com segurança não só a pretensão do autor como a resistência que lhe opõe o réu, isto é, a lide posta em juízo.

22.10.1.1 As ações de conhecimento podem ser: a) meramente declaratória – é aquela em que o pedido do autor se resume à declaração de existência ou de inexistência de uma relação jurídica ou à autenticidade ou falsidade de documento (CPC, art. 4.º)[64] ; b) condenatória – declara-se a violação ao preceito legal e impõe-se uma sanção ao infrator, e c) constitutiva – Ex. Separação Judicial por injúria grave: declara-se a existência de uma injúria grave e decreta a extinção do vínculo conjugal. Rescisão de contrato: declarado o inadimplemento contratual, segue-se a decretação da rescisão do contrato.

22.10.2 Ações Executivas: visam um provimento satisfativo. Provocam providências jurisdicionais de execução. Pode acontecer que, proferida a sentença, na ação condenatória, o réu, isto é, o devedor, satisfaça a obrigação. Caso não satisfaça espontaneamente a obrigação poderá o credor utilizar-se do título executivo para solicitar da jurisdição providências indispensáveis para realizar efetivamente a regra sancionadora contida na sentença.

22.10.3 Ações Cautelares: são ações preventivas que visam a providências urgentes e provisórias, tendentes a assegurar os efeitos de um provimento principal, em perigo por eventual demora na solução do processo.

Em verdade, através do processo de conhecimento e de execução, a jurisdição cumpre o ciclo de suas funções principais. Mas, para assegurar o êxito das dessas atividades, não raro, necessita-se da atividade cautelar.

22.10.4 Classificação da ação penal: critérios subjetivos

Do ponto-de-vista de quem a promove, a ação penal se classifica em: a) pública; b) de iniciativa privada.

A ação penal pública subdivide-se em incondicionada e condicionada .

Diz-se incondicionada (regra) quando o Ministério Público, para promovê-la, independe da manifestação de vontade de quem quer que seja, e, condicionada (exceção) quando, embora a titularidade da ação seja sempre do representante Ministerial, a lei condiciona o exercício desta à representação do ofendido ou à requisição do Ministro da Justiça (CP, art. 102, § 1º). A ação penal pública incondicionada é a regra, apresentando-se a condicionada como exceção, por isso, quando a lei, ao definir o crime, não excepcionar, dizendo qual a natureza da ação, ela é pública incondicionada.

A ação penal privada subdivide-se em ação de iniciativa exclusivamente privada e ação subsidiária da pública. A primeira compete exclusivamente ao ofendido, ao seu representante legal ou sucessor. Na segunda, a qualquer das pessoas citadas, sempre que o titular da ação penal deixar de intentá-la no prazo legal.

Admitida só em alguns ordenamentos, a ação penal de iniciativa exclusivamente privada tem como razão de ser o fato de que a publicidade do delito afeta tão marcantemente a esfera íntima e secreta do indivíduo, que se prefere relegar a um plano secundário a pretensão punitiva estatal; noutros casos, a lesão é particularmente insignificante para a ordem pública, justificando-se que o Estado conceda ao particular o ius persequendi in judicio. Por isso mesmo que o ofendido, titular da ação privada, ao contrário do acusador oficial, pode a qualquer momento desistir dela.

Quanto à ação penal subsidiária da pública, uma vez intentada, o Ministério Público, além de intervir obrigatoriamente em todos os atos do processo, poderá retomar a ação como parte principal a qualquer tempo, já que continua titular dela.

22.10.5 Classificação da ação trabalhista: os dissídios coletivos

A ação trabalhista se distingue em individual e coletiva. A ação trabalhista denominada individual distingue-se do conceito de ação em aspectos meramente terminológicos: reclamação por ação; reclamante e reclamado por autor e réu. Em essência, a ação trabalhista, como direito público subjetivo ao provimento jurisdicional, sobre conflitos oriundos de relações do trabalho, não sofre qualquer alteração pelas peculiaridades terminológicas empregada pela CLT.

Já as ações coletivas têm conceituação própria e singular: destinam-se a direitos de classe, grupos ou categorias.

A sentença coletiva vale para toda a categoria e sua imposição pode fazer-se, quando inobservada, por ações individuais (CLT, art. 872).

As entidades sindicais, por força do nosso sistema legal, são mandatárias das categorias profissionais e econômicas, para a defesa de seus interesses. Processualmente, o sindicato é legitimado às ações coletivas como substituto processual de toda a categoria, defendendo, em nome próprio, interesses alheios.

A eficácia “erga omnes” das sentenças coletivas melhor explica sua natureza que o recurso à figura legislativa buscado por parte da doutrina que via equivocadamente na sentença normativa um ato formalmente jurisdicional mas materialmente legislativo. Se a discussão ganhou corpo sob a égide das Constituições anteriores, que se referiam à "eficácia normativa" das sentenças proferidas nos dissídios coletivos, perdeu terreno na “lex mater” atual que alude apenas a dissídios e sentenças coletivas, sem alusão à sua "normatividade" (art. 114).

Com efeito, é a índole das ações coletivas a extensão ultra partes das sentenças nelas proferidas, por se destinarem ao tratamento coletivo da questão levada a juízo; por outro lado, em todos os casos de substituição processual a sentença abrange o substituto (sindicato) e o substituído (a categoria profissional). Por isso a sentença atua também para os futuros contratos, individuais ou coletivos, ganhando explicação, a partir dessa colocação, a ação de cumprimento prevista no art. 872 da CLT.

23 EXCEÇÃO: A DEFESA DO RÉU

23.1 Vimos que, exercida a ação contra o Estado, e uma vez acolhida a pretensão, a sentença a ser proferida terá efeitos desfavoráveis na esfera jurídica de outra pessoa, o réu.

A demanda inicial apresenta-se, assim, como o pedido que uma pessoa faz ao órgão jurisdicional de um provimento destinado a operar efeitos na esfera jurídica de outra pessoa.

Dá-se a esse fenômeno o nome de bilateralidade da ação, que tem por conseqüência a bilateralidade do processo.

Em virtude da contraposição dos interesses em disputa, a bilateralidade da ação e do processo desenvolve-se em contradição recíproca. Aquele contra quem ou em face de quem a ação é proposta, o réu, também tem uma pretensão em face dos órgãos jurisdicionais (pretensão a que o pedido do autor seja rejeitado) a qual assume uma forma antitética à pretensão do autor. É nisso que reside o fundamento lógico do contraditório, tendo como base constitucional a ampla garantia do direito ao processo e do devido processo legal.

23.1.1 Conceito – em sentido amplo, fala-se que a resposta do réu à ação do autor chama-se exceção, como sendo aquele poder jurídico de que se acha investido e que lhe possibilita opor-se à ação que lhe foi movida. Por isso, dentro de uma concepção sistemática do processo, o tema da exceção é virtualmente paralelo ao da ação. O autor, através do exercício da ação, pede justiça, reclamando algo contra o réu; este, através da exceção, pede justiça, solicitando a rejeição da pretensão do autor.

Tanto como o direito de ação, a defesa é um direito público subjetivo (ou poder), constitucionalmente garantido como corolário do devido processo legal e um dos postulados em que se alicerça o sistema contraditório do processo. Tanto o autor, mediante a ação, como o réu, através da exceção, têm direito ao processo.

Pela mesma razão que não se pode repelir de plano o pedido do autor (que exerce um direito que independe da existência do direito material alegado, já que só a sentença dirá se seu pedido é fundado ou não), não se pode repelir de plano a defesa. Pela mesma razão que se deve assegurar ao autor os meios de reclamar aos juízos e tribunais, também se deve assegurar ao réu os meios de desembaraçar-se da ação.

23.1.2 Natureza jurídica da exceção

Na concepção da ação como direito ao provimento jurisdicional, a exceção não pode ser o direito ao provimento de rejeição do pedido do autor, mas apenas o direito a que no julgamento também se levem em conta as razões do réu.

Vista sob esse ângulo, é lícito afirmar que a exceção configura um direito análogo e correlato à ação, mais parecendo um particular aspecto desta. Tanto o direito de ação como o de defesa compreendem uma série de poderes, faculdades e ônus, que visam à preparação da prestação jurisdicional.

23.1.3 Classificação das exceções

Até aqui, falou-se em exceção como sinônimo de defesa. Contudo, a defesa pode dirigir-se contra o processo e contra a admissibilidade da ação, ou pode ser de mérito. No primeiro caso, temos a exceção processual e, no segundo, a exceção substancial, que se divide em direta (insurgindo-se contra a própria pretensão do autor, o fundamento de seu pedido) e indireta (opondo fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito alegado pelo autor, sem elidir propriamente a pretensão por este deduzida, p.e.: prescrição, compensação, novação).

Dá-se também o nome de exceção substancial apenas à defesa indireta de mérito, usando-se o vocábulo contestação para a defesa direta de mérito outros, ainda, em vez de exceção substancial nesse sentido mais estrito, falam em preliminar de mérito. Essa classificação é feita em vista da natureza das questões deduzidas na defesa.

Em outra classificação, que se baseia nos efeitos das exceções, falam-se em dilatórias (quando visam distender, procrastinar o curso do processo: exceção de suspeição, de incompetência) ou peremptórias (visando a extinguir a relação processual: exceção de coisa julgada, de litispendência).

Por outro ângulo (o conhecimento da defesa pelo juiz, de ofício), fala-se em objeção, como p.e.: incompetência absoluta, coisa julgada, pagamento; e em exceção em sentido estrito, para indicar a defesa que só pode ser conhecida quando alegada pela parte (incompetência relativa, suspeição, vícios da vontade. Na primeira, o réu tem o ônus relativo de alegá-la; na segunda, o ônus é absoluto.

Na atual sistemática da legislação processual brasileira, usa-se o nome de exceção para indicar algumas exceções processuais, cuja argüição obedece determinado rito (CPC, art. 304; CPP, art. 95: CLT, art. 799), chamando-se contestação, no processo civil, toda e qualquer outra defesa, de rito ou de mérito, direta ou indireta, contendo também preliminares (CPC, art. 300 e 301).

24. O PROCESSO

24.1 Processo e procedimento – etimologicamente, processo significa "marcha avante", do latim, procedere = seguir avante.

Por muito tempo o termo processo foi confundido com a simples sucessão de atos processuais (procedimento), sendo comuns definições que o colocavam nesse plano.
Contudo, em meados do séc. passado, sobretudo após a análise da clássica obra de Bülow - Teoria dos Pressupostos Processuais e das Exceções Dilatórias (1868) - entreviu-se no processo uma força que motiva e justifica a prática dos atos do procedimento, interligando os sujeitos processuais, ou seja, há uma relação jurídica entre os sujeitos processuais, juiz, autor e réu.

O processo é indispensável à função jurisdicional exercida com vistas à eliminação aos conflitos com justiça, mediante a atuação da vontade concreta da lei. É, por definição, o instrumento através do qual a jurisdição opera (instrumento para a positivação do poder jurisdicional).

Já, o procedimento é, nesse quadro, apenas o meio extrínseco pelo qual se instaura, desenvolve-se e termina o processo; é a manifestação exterior deste, a sua realidade fenomenológica perceptível. A noção de processo é essencialmente teleológica, porque ele se caracteriza por sua finalidade de exercício do poder (no caso, jurisdicional). A noção de procedimento é puramente formal, não passando da coordenação de atos que se sucedem. Conclui-se, pois, que o procedimento (aspecto formal do processo) é o meio pelo qual a lei estampa os atos e fórmulas da ordem legal do processo. Ou seja, na exteriorização o processo se revela como uma sucessão ordenada de atos dentro de modelos previstos pela lei, que é o procedimento.

24.2 Teorias sobre a natureza jurídica do processo

Malgrado as acesas polêmicas sobre a natureza jurídica do processo, é ele hoje encarado como o instrumento de exercício de uma função do Estado (jurisdição), função essa que ele exerce por autoridade própria, soberana, independentemente da voluntária submissão das partes, diversamente do que ocorria no direito romano em que ele era o resultado de um contrato celebrado entre estas (litiscontestatio), através do qual surgia o acordo no sentido de aceitar a decisão que fosse proferida.

As muitas teorias sobre a natureza do processo revelam a visão publicista ou privatista assumida por seus formuladores, sendo que algumas delas utilizam conceitos romanísticos à sua aplicação. As principais são: a) o processo como contrato; b) o processo como quase-contrato; c) o processo como relação processual; d) o processo como situação jurídica; e) o processo como procedimento informado pelo contraditório.

24.2.1 O processo como contrato

Essa doutrina vigorou nos séc. XVIII e XIX, principalmente no direito francês, mirava-se na idéia romana do processo. O processo pressupunha um pacto (litiscontestatio) no mesmo plano e com os mesmos raciocínios básicos da doutrina política do contrato social de Rosseau: "enquanto os cidadãos se sujeitam às condições que eles mesmos pactuaram, ou que eles poderiam ter aceito por decisão livre e racional, não obedecem a ninguém mais que à sua própria vontade". A sujeição da vontade individual a uma vontade superior, vista em escala macroscópica, viria a dar no Estado; em escala microscópica, no processo.

Essa doutrina tem mero significado histórico, pois parte do falso pressuposto de que as partes se submetem voluntariamente ao processo e aos seus resultados, através de verdadeiro negócio jurídico de direito privado (litiscontestatio). Na realidade, a sujeição das partes é o exato contraposto do poder estatal (jurisdição), que o juiz impõe inevitavelmente às pessoas independentemente da voluntária aceitação.

24.2.2 O processo como quase-contrato

Ainda no séc. XIX, na França, surgiu essa doutrina, segundo a qual, se o processo não era um contrato e se também delito não podia ser, só haveria de ser um quase-contrato. Seu erro foi enquadrar o processo, a todo custo, nas categorias do direito privado, omitindo, por outro lado, a principal fonte das obrigações, indicada já no próprio Código Napoleônico, que é a lei.

24.2.3 O processo como relação jurídica
Essa a doutrina desenvolvida por Bülow, exposta em 1868, na sua famosa obra Teoria dos pressupostos e das exceções dilatórias, unanimemente considerada como a primeira obra científica sobre direito processual e que abriu horizontes para o surgimento desse ramo autônomo na árvore do direito e de uma verdadeira escola sistemática do direito processual.
Conforme essa teoria, processo é uma relação jurídica entre os sujeitos processuais, juridicamente regulada. É uma relação jurídica. Quer dizer que é um vínculo, entre pessoas, de natureza jurídica. "Relação jurídica é o vínculo entre várias pessoas, mediante a qual uma delas pode pretender alguma coisa a que a outra está obrigada" (cf. Buzaid).
O grande mérito de Bülow foi a sistematização. Deu ênfase à existência de dois planos de relações: a de direito material, que se discute no processo; e a de direito processual, que é o continente em que se coloca a discussão sobre aquela. Segundo essa teoria, a relação jurídica processual se distingue da de direito material sobre três aspectos: a) pelos seus sujeitos (autor, réu e Estado-juiz); b) pelo seu objeto (a prestação jurisdicional); c) pelos seus pressupostos (os pressupostos processuais).
24.2.4 O processo como situação jurídica
Foi Goldschmidt que construiu essa teoria que, embora rejeitada pela maioria dos processualistas, não se pode negar a sua riqueza de conceitos e observações que vieram a contribuir pata o desenvolvimento da ciência processual.
Segundo essa doutrina, o processo seria um instrumento colocado a disposição do interessado que desfrutaria de situações vantajosas pela simples razão do seu exercício, não se cogitando de que tivesse ou não direito anteriormente. Quando o direito assume uma condição dinâmica (o que se dá com o processo), opera-se nele uma mutação estrutural, transformando aquilo que se apresentava como um direito subjetivo em meras chances, desdobradas em possibilidades (de praticar atos para que o direito seja reconhecido), expectativas (de obter esse reconhecimento), perspectivas (de uma sentença desfavorável) e ônus (encargo de praticar certos atos, cedendo a imperativos ou impulsos do próprio interesse, para evitar a sentença desfavorável).
Dentre as várias críticas endereçadas a essa teoria, destacam-se: a) não se pode falar de uma situação, mas de um complexo de situações, no processo; b) é exatamente o conjunto de situações jurídicas que recebe o nome de relação jurídica. Mas a crítica mais contundente refere que toda aquela situação de incerteza, expressa nos ônus, perspectivas, expectativas, possibilidades relaciona-se à res in judicium deducta, e não ao judicium em si mesmo: o que está posto em dúvida, e talvez exista ou talvez não, é o direito material, não o processo.
24.2.5 A natureza jurídica do processo
De todas as apresentadas, a teoria que melhor desfruta de simpatia da doutrina, inegavelmente, é a relação processual.
Foi Bülow que deu o ponto de partida ao afirmar que o processo não se resume a mero procedimento, mero regulamento das formas e ordem dos atos do juiz e partes, ou mera sucessão de atos. É muito mais que isso: a relação jurídica é o nexo que interliga os vários sujeitos que atuam no processo, atribuindo-lhes poderes, direitos, faculdades, e os correspondentes deveres, obrigações, sujeições, ônus. São Relações jurídicas, por exemplo, o nexo existente entre credor e devedor e também o que interliga os membros de uma sociedade anônima. O processo também, como complexa ligação jurídica entre os sujeitos que nele desenvolvem atividades, é em si mesmo uma relação jurídica (relação jurídica processual), a qual, vista em seu conjunto, apresenta-se composta de inúmeras posições jurídicas ativas e passivas de cada um os seus sujeitos: poderes, faculdades, deveres, sujeição e ônus.
Poderes e faculdades são posições jurídicas ativas, correspondendo à permissão de certas atividades. O que os distingue é que, enquanto faculdade é conduta permitida que se exaure na esfera jurídica do próprio agente, o poder se resolve numa atividade que virá a determinar modificações na esfera jurídica alheia (criando novas posições jurídicas). Ex.: o juiz tem o poder de determinar o comparecimento de testemunhas, as quais, uma vez intimadas, passam a ter o dever de comparecer no dia, horário e local designados; as partes têm a faculdade de formular perguntas a serem respondidas pelas testemunhas ao juiz.
Sujeição e deveres são posições jurídicas passivas. Dever, contraposto de poder, é a exigência de uma conduta; sujeição, a impossibilidade de evitar uma atividade alheia ou a situação criada por ela (ato de autoridade). ônus também é faculdade, encargo. É uma faculdade cujo exercício é necessário para a realização de um interesse.
O processo é uma entidade complexa, podendo ser encarado sob o aspecto dos atos que lhe dão corpo e da relação entre esses mesmos atos (procedimento) e igualmente sob o aspecto das relações entre os seus sujeitos (relação processual). O processo não é mero procedimento (como entendia a antiga doutrina), mas também não se exaure no conceito simplista de relação jurídica processual.
Deveras, o processo vai caminhando do ponto inicial (petição inicial) ao ponto final (sentença de mérito, no processo de conhecimento; a satisfação do credor, na execução), através de uma sucessão de posições jurídicas que se substituem gradativamente, mercê da ocorrência de fatos e atos processuais praticados com observância aos requisitos formais estabelecidos em lei.
O processo é a síntese dessa relação jurídica progressiva (relação processual) e da série de fatos que determinam a sua progressão (procedimento). Cada ato processual, ou, cada anel da cadeia que é o procedimento, realiza-se no exercício de um poder ou faculdade, ou para o desencargo de um ônus ou um dever, o que significa que é a relação jurídica que dá razão de ser ao procedimento.
Disso, podemos conceituar que, processo é um conjunto de atos ordenados, tendentes a um fim, que é a provisão jurisdicional, compreendendo-se direitos, deveres e ônus das partes, além de poderes, direitos e deveres dos órgãos jurisdicionais, prescritos e regulados pela lei processual.
Como os sujeitos da relação são os sujeitos processuais, e ainda porque os direitos e deveres, poderes e ônus, que nela vivem e se realizam, são regulados pela lei processual, trata-se de relação jurídica processual, ou simplesmente, relação processual.

24.3 Sujeitos da relação jurídica processual
O processo, como instrumento para a resolução imparcial dos conflitos que se verificam na vida social, apresenta, necessariamente, pelo menos três sujeitos: o autor e o réu, nos pólos contrastantes da relação processual, como sujeitos parciais; e, como sujeito imparcial, o juiz, representante o interesses coletivo voltado para justa resolução do conflito. Daí a clássica definição do processo, como actum trium personarum: judicis, actoris et rei.
24.3.1 O juiz
O juiz, como órgão superpartes no processo, deve ter sempre, como superior virtude, resguardada constitucionalmente, a sua imparcialidade. Como exercente da jurisdição, função estatal, o juiz não pode eximir-se de atuar no processo, desde que tenha sido regularmente provocado: hodiernamente não se admite que o juiz lave as mãos e pronuncie o non liquet diante da causa incômoda ou complexa, porque tal conduta importaria em evidente denegação de justiça e violação da garantia constitucional d inafastabilidade da jurisdição.
Para o seu efetivo exercício, o direito atribui ao juiz determinados poderes que se agrupam em duas categorias: a) poderes administrativos ou de polícia, que se exercem por ocasião do processo, a fim de evitar a sua perturbação e de se assegurar a ordem e o decoro que devem norteá-lo; b) poderes jurisdicionais, que se desenvolvem no próprio processo, subdividindo-os em poderes-meios (abrangendo os ordinatórios, que se referem a simples andamento processual, e os instrutórios, que se dizem respeito à formação do convencimento do juiz) e c) poderes-fins (decisórios e de execução). O juiz também tem deveres no processo: não só o dever de sentenciar, mas ainda o de conduzir o processo segundo a ordem estabelecida (devido processo legal), propiciando às partes todas as oportunidades de participação a que têm direito e dialogando amplamente com elas mediante despachos e decisões.
24.3.2 Autor e réu
São os sujeitos parciais do processo, sem os quais a relação processual não se completa.
Três princípios básicos disciplinam as posições das partes no processo: a) dualidades das partes - é inadmissível um processo sem que haja pelo menos dois sujeitos em posições processuais antagônicas, pois ninguém pode litigar consigo mesmo; b) igualdade das partes - deve haver paridade de tratamento processual, sem prejuízo de certas vantagens atribuídas especialmente a cada uma delas, em vista de sua posição no processo; e c) contraditório - garantia de ciência às partes dos atos e termos do processo, com possibilidades de impugná-los e com isso estabelecer autêntico diálogo com o juiz.
24.3.2.1 Litisconsórcio
Diz-se litisconsórcio a pluralidades de pessoas num ou em ambos os pólos conflitantes da relação jurídica processual. Vários podem ser os critérios se classificação do litisconsórcio. Posição processual: o litisconsórcio pode ser: ativo, passivo e misto. O primeiro quando houver pluralidade de autores; o segundo, pluralidade de réus, e o terceiro quando houver pluralidade de sujeitos em ambos os pólos da relação jurídica processual. Sob o critério cronológico: originário: existente no início do processo; ulterior: surge após a instauração do processo e a citação do réu. Este só ocorre quando previsto em lei, como no caso do chamamento ao processo e da denunciação da lide.
A classificação mais importante, porém, é a que se refere à facultatividade e obrigatoriedade do litisconsórcio. facultativo (CPC, art. 46: "duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente ...". necessário (CPC, art. 47: Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo".
24.3.2.2 Intervenção de terceiros
Há situações em que, embora já integrada a relação processual, segundo seu esquema subjetivo mínimo, a lei permite ou reclama o ingresso de terceiro no processo seja em substituição a uma das partes, seja em acréscimo a elas, de modo a ampliar subjetivamente aquela relação (CPC, arts. 50, 56, 62, 70 e 70).
24.3.2.3 O advogado e Ministério Público (já estudado).
24.4 Objeto da relação processual
Enquanto o objeto da relação jurídica substancial é o bem da vida, ou seja o próprio objeto dos interesses em conflito, o objeto da relação jurídica processual (secundária), diversamente, é o serviço jurisdicional que o Estado tem o dever de prestar, consumando-o mediante o provimento final de cada processo.
Trata-se de uma relação jurídica secundária, pois tem como objeto um bem que guarda relação de instrumentalidade para com a pretensão primária, a obtenção do objeto da relação de direito material. O provimento jurisdicional preparado durante todo o curso do processo é a sentença de mérito (no proc. de conhecimento) ou o provimento satisfativo do direito do credor (no proc. de execução).
24.5 Pressupostos processuais

Conceito: Os pressupostos processuais são requisitos necessários à existência e validade da relação processual. Ou como afirma a ilustre professora Teresa Arruda Alvim Wambier, “são elementos cuja presença é imprescindível para a existência e para a validade da relação processual e, de outra parte, cuja inexistência é imperativa para que a relação processual exista validamente, nos casos dos pressupostos processuais negativos”.[65]

Para desempenhar a sua atividade, em sendo provocado por quem de direito, o juiz, primeiramente, deve examinar se o processo se instaurou validamente. A prestação jurisdicional só é alcançada através do processo válido.

Não se confunde, entretanto, a validade do processo com sua existência. Mesmo o processo inválido se forma e tem existência, a ponto do juiz não estar isento de pronunciar a própria invalidade nele ocorrida.

Por isso, existem pressupostos de validade do processo e pressupostos de existência do processo.

25.5.1 Pressupostos processuais de existência ou de constituição válida da relação processual

Pressupostos processuais de existência são aqueles requisitos cuja ausência importa na inexistência da relação processual.

São eles: a) demanda regularmente formulada – Petição inicial (ainda que inepta) – iniciativa da parte (CPC, art. 2º; CPP, art. 24); b) Jurisdição – órgão judicante, ainda que incompetente, investido de jurisdição; c) citação (mesmo que não tenha sido promovida validamente – requisito essencial para que a relação processual se forme integralmente que se trate de juiz com competência originária ou adquirida; órgão imparcial.

Ou seja: são pressupostos uma correta propositura da ação, feita perante uma autoridade jurisdicional, por uma entidade capaz de ser parte em juízo.

Autonomia da relação processual

Como se vê a relação jurídica processual independe, para ter validade, da existência da relação de direito material controvertida. Instaurado o processo, sua validade vai depender de requisitos próprios, pouco importando que esta exista ou não.
PROCESSOS DE CONHECIMENTO, DE EXECUÇÃO E CAUTELAR
Classificação dos Processos
FORMAS PROCESSUAIS: PROCEDIMENTO
O sistema da legalidade das formas
Àquele conjunto de atos do processo, vistos pelo aspecto de sua interligação e combinação de sua unidade teleológica, como se viu, chama-se procedimento. Cada ato, dentro desse procedimento, tem o seu momento oportuno, dependendo os posteriores dos anteriores para sua validade, tudo porque o desiderato com que todos são praticados é um só: preparar o provimento final, que é a solução do conflito.
Teoricamente, são admissíveis três sistemas para a disciplina da formas do procedimento: a) liberdade das formas; b) soberania do juiz (ou sistema de eqüidade); c) sistema da legalidade da formas.
A ausência absoluta de formas legais poderia levar à desordem, à confusão e à incerteza. Por isso, atende mais à segurança das partes, em suas relações recíprocas e com o juiz, a regulamentação legal (sistema da legalidade).
Entretanto, as formas não devem sufocar o fluxo natural e rapidez do processo. A aversão às formas é motivada, em geral, pelo excesso de formalismo, mas não é aconselhável extirpar por completo esse inconveniente formal ou deixando a tarefa ao juiz de determinar as formas, pois essa solução abriria caminho ao arbítrio.
A disciplina legislativa das formas do procedimento é a melhor alternativa, acatada pelo direito moderno. Mas o bom resultado do processo depende da maneira pela qual o legislador cumpre sua tarefa. A experiência secular demonstrou que as exigências legais quanto à forma devem atender critérios racionais, não se olvidando a finalidade com que são impostas, evitando-se, sempre, o culto da forma como se elas fossem um fim em si mesmas. Esse pensamento é a manifestação do princípio da instrumentalidade das formas, o qual vem dar a justa medida do sistema de legalidade formal.
Dois sistemas informam qual esquema formal o procedimento deve se exteriorizar: rígido e flexível .
Pelo primeiro, as formas obedecem a cânones rigorosos, desenvolvendo-se o procedimento através de fases claramente determinadas pela lei e atingidas pelo fenômeno da preclusão. No segundo caso, as formas procedimentais são mais livres, não sendo tão rigorosa a ordem em que os atos devem ser praticados.
Da interpretação filológica do art. 154, tem-se a impressão que O CPC adotou o princípio da liberdade das formas, ao proclamar que "os atos processuais não dependem de forma determinada, senão quando a lei expressamente o exigir"
Contudo, na disciplina dos atos procedimentais em espécie, impõe-lhes exigências formais, situando-se o seu sistema, portanto, na linha da legalidade formal, ou seja, o procedimento brasileiro é do tipo rígido.
O lugar dos atos do procedimento
Os atos procedimentais, em regra, devem ser praticados na sede do juízo, salvo quando, por sua natureza ou por disposição legal, devam efetuar-se noutro lugar, como por exemplo as hipóteses dos arts. 792, § 2º, 220, 221, 403 etc. do CPP.
O tempo dos atos do procedimentos
O tempo é levado em conta pela lei, sob dois aspectos: a) determinando a época em que devem ser exercidos; b) estabelecendo prazos para sua execução (CPC, arts. 177 ss..; CPP, arts. 93, § 1º, 395, 401, 403, 361, 705 etc.).
Termos ou prazos, são a distância temporal entre os atos do processo. Quando a lei determina a distância mínima, para evitar que se pratique o ato antes do vencimento do prazo, este se diz dilatório (prazo para comparecer em juízo - CPC, art. 192). Quando ela estabelece a distância máxima durante a qual pode praticar-se o ato, o prazo é aceleratório - prazo recursal).
Os prazos, além de legais: aqueles determinados pela lei, podem ser judiciais: aqueles cuja fixação ficam a critério do juiz, e outros que são estabelecidos por convenção das partes: convencionais.
ATOS PROCESSUAIS: CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO
VICIOS DO ATO PROCESSUAL

PROVA: Conceito, Discriminação, Ônus e Valoração

Conceito: Prova é o instrumento através do qual se forma a convicção do juiz a respeito da ocorrência ou inocorrência dos fatos controvertidos no processo.

Ou, como definia as Ordenações Filipinas (Liv. III, Tít. 63) "a prova é o farol que deve guiar o juiz nas suas decisões", sobre as questões fáticas.

Discriminação: Em princípio, dado que se procura demonstrar a ocorrência ou a inocorrência de pontos duvidosos de fato relevantes para a decisão judicial, não haveria limitações ou restrições à admissibilidade de quaisquer meios para a produção de provas.

A experiência, contudo, indica que não é aconselhável a total liberdade na admissibilidade dos meios de provas, ora porque não se fundam em bases científicas suficientemente sólidas para justificar sua aceitação (soro da verdade, p.ex.), ora porque dariam margem a manipulações e fraudes (é o caso da prova exclusivamente testemunhal para demonstrar a existência de um contrato de certo valor acima - CPC, art. 401; ora porque implicariam em ofensa à própria dignidade de quem lhes ficasse sujeito, representando constrangimento pessoal inadmissível (tortura, narcoanálise, detector de mentiras, estupefacientes, etc.).

O CPP contém implícita a adoção do princípio da liberdade de provas (art. 155); e o CPC prevê que todos os meios legais, assim como quaisquer outros não especificados em lei, desde que moralmente legítimos, "são hábeis para provar a verdade dos fatos em que se funda a ação ou a defesa (art. 332). São expressamente previstos: a prova documental; testemunhal, pericial, inspeção judicial etc.

PROVAS ILÍCITAS:

Discutiu-se muito na doutrina e na jurisprudência sobre a aceitação das provas obtidas ilicitamente. Defendia-se, em nome da verdade real, a admissão das provas ilícitas que demonstrassem a ocorrência ou inocorrência de determinados fatos controvertidos e relevante, com a eventual responsabilização de quem, a pretexto de conseguir a prova, praticasse ilícito civil, penal ou administrativo.

A CF de 1988, entretanto, pôs cobro a essas discussão declarando textualmente "inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meio ilícito" (art. 5º, inc. LVI).

Objeto da prova:

Objeto da prova é sempre um fato sobre que ela recai. É, porém, imprescindível tratar-se de um fato controvertido, como quer a própria lei (CPC, art. 334, III). Entretanto, não basta que seja só controvertido, mas também relevante para a solução da lide.

Não são objeto de prova os fatos notórios (conhecidos de todos), os fatos impertinentes (estranhos aos fatos da causa), os irrelevantes (que, embora dizem respeito aos fatos da causa, não influem da decisão), os incontroversos (confessados ou admitidos pelas partes), os cobertos pela presunção legal de existência ou de veracidade (CPC, art. 334) ou os impossíveis.

Ônus da prova:

Quando uma questão de fato surge irredutivelmente incerta no processo, abre-se tecnicamente para o juiz as seguintes alternativas: a) ou ele prescinde de resolver aquela questão de fato, b) ou insiste em resolvê-la. A primeira opção implicaria em deixar o juiz de decidir a causa, ou em decidi-la de maneira tal que não exigisse resolução daquela questão de fato (julgamento por sorteio).

A segunda opção implica: a) o adiamento do problema, através da prolação de uma decisão provisória (no estado do processo); b) ou o uso de um meio mecânico de prova, necessariamente decisório (como o duelo ou o juramento); c) ou, enfim, o emprego das regras da distribuição do ônus da prova

Art. 333/CPP: O ônus da prova recai sobre aquele a quem aproveita o reconhecimento do fato. Ao autor incumbe provar o fato constitutivo do seu direito; e ao réu, a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.




[1] Art. 516: “ O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se lhe não forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa. Pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis, poderá exercer o direito de retenção”.
Art. 772: “O credor pignoratício não pode, paga a dívida, recusar a entrega da coisa a quem a empenhou. Pode retê-la, porém, até que o indenizem das despesas, devidamente justificadas, que tiver feito, não sendo ocasionadas por culpa sua”.
Art. 1.199: “Não é lícito ao locatário reter a coisa alugada, exceto no caso de benfeitorias necessárias, ou no de benfeitorias úteis se estas houverem sido feitas com expresso consentimento do locador”.
Art. 1.279: “O depositário poderá reter o depósito até que se lhe pague o líquido valor das despesas, ou dos prejuízos, a que se refere o artigo anterior (1278: “O depositante é obrigado a pagar ao depositário as despesas feitas com a coisa, e os prejuízos que do depósito provierem”), provando imediatamente esses prejuízos ou essas despesas”.

[2] CC, art. 502: “o possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se, ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo”.
[3] CC, art. 776: “são credores pignoratícios, independentemente de convenção: I – os hospedeiros, estalajadeiros ou fornecedores de pousada e alimentos, sobre as bagagens, móveis, jóias ou dinheiro que4 os seus consumidores ou fregueses tiverem consigo nas respectivas casas ... pelas despesas ou consumo que aí tiverem feito; II – o dono rústico ou urbano, sobre os bens móveis que o rendeiro ou inquilino tiver guarnecido o mesmo prédio, pelos alugueres ou rendas”.
[4] Art. “as raízes e ramos de árvores que ultrapassarem a extrema do prédio, poderão ser cortados, até o plano vertical divisório, pelo proprietário do terreno invadido”
[5] CLT, art. 764: “Os dissídios individuais ou coletivos submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho serão sempre à conciliação”.
[6] CLT, art. 846: “Aberta a audiência, o Juiz ou Presidente proporá a conciliação” (red. L. 9.022/95).
[7] CLT, art. 850: “ .... Em seguida, o juiz ou presidente renovará a proposta de conciliação ...”.
[8] Art. 331: “se não se verificar qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes (Da Extinção do Processo e Do Julgamento Antecipado da Lide), o juiz designará audiência de conciliação, a realizar-se no prazo máximo de trinta dias, à qual deverão comparecer as partes ou seus procuradores”.(redação dada pela Lei 8.952, de 13/12/94).

[9] CPC, art. 219: “A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição”.
[10] Cc, art. 159: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”.
[11] Art. 132: “O juiz, titular ou substituto, que iniciar a audiência, concluirá a instrução, julgando a lide, salvo se for transferido, promovido ou aposentado; casos em que passará os autos aso seu sucessor. A recebê-los, o sucessor prosseguirá na audiência, mandando repetir, se entender necessário, as provas já produzidas”
[12] Cf. Eduardo J. COUTURE, in “Fundamentos del derecho procesal civil, p. 45
[13] CPP, art. 319: A prisão administrativa terá cabimento: (I) contra remissos ou omissos em entrar para os cofres públicos com os dinheiros a seu cargo, a fim de compeli-los a que o façam; (II) contra o estrangeiro desertor de navio de guerra ou mercante, surto em porto nacional; (III) nos demais casos previstos em lei.
[14] O costume pode ser ainda: praeter legem (fora da lei), também chamados integrativos, uma vez que suprem lacunas das normas ou especificam seu conteúdo e extensão; contra legem (contra a lei) que, sendo aplicado, criam normas ou impede a aplicação das normas existentes.
[15] Cód. Civ., Art. 400: Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
Art. 1456: No aplicar a pena do art. 1.454 (abstenção de fato arriscado, sob pena de perder o direito ao seguro), procederá o juiz com equidade, atento a circunstâncias reais, e não em probabilidades infundadas, quanto ao agravamento dos riscos.
[16] Art. 88. “É competente a autoridade judiciária brasileira quando:
I - o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil;
II - no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação;
III - a ação se originar de fato ocorrido ou de fato praticado no Brasil.
Parágrafo único. Para o fim do disposto no nº 1, reputa-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal.”
* Vide Lei de Introdução ao Código Civil art. 12 e parágrafos.
Art. 89. “Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra:
I - conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil;
II - proceder a inventário e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional.”
* Vide arts. 10, 12, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil.

[17] No Estado de São Paulo, o art. 74 da Constituição Estadual, dita a competência originária do Tribunal de Justiça para julgar os crimes comuns praticado pelo Vice-Governador e outras autoridade de alto escalão.
[18] Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e Competência, Saraiva, 1990, p. 48.
[19] Art. 90. “A ação intentada perante tribunal estrangeiro não induz litispendência, nem obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas.”
[20] Art. 94. “A ação fundada em direito pessoal e a ação fundada em direito real sobre bens móveis serão propostas, em regra, no foro do domicilio do réu.”
§ 1º Tendo mais de um domicilio, o réu será demandado no foro de qualquer deles.
§ 2º Sendo incerto ou desconhecido o domicilio do réu, ele será demandado onde for encontrado ou no foro do domicilio do autor.
§ 3º Quando o réu não tiver domicilio nem residência no Brasil, a ação será proposta no foro do domicílio do autor. Se este também residir fora do Brasil, a ação será proposta em qualquer foro.
§ 4º Havendo dois ou mais réus, com diferentes domicílios, serão demandados no foro de qualquer deles, à escolha do autor.
Art. 95. Nas ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro da situação da coisa. Pode o autor, entretanto, optar pelo foro do domicílio ou de eleição, não recaindo o litígio sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova.

Art. 96. O foro do domicilio do autor da herança, no Brasil, é o competente para o inventário, a partilha, a arrecadação, o cumprimento de disposições de última vontade e todas as ações em que o espólio for réu, ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiro.
Parágrafo único. É, porém, competente o foro:
I - da situação dos bens, se o autor da herança não possuía domicílio certo;
II - do lugar em que ocorreu o óbito se o autor da herança não tinha domicílio certo e possuía bens em lugares diferentes.
Art. 97. As ações em que o ausente for réu correm no foro de seu último domicílio, que é também o competente para a arrecadação, o inventário, a partilha e o cumprimento de disposições testamentárias.
Art. 98. A ação em que o incapaz for réu se processará no foro do domicílio de seu representante.
Art. 99. O foro da Capital do Estado ou do território é competente:
I - para as causas em que a União for autora, ré ou interveniente;
II - para as causas em que o território for autor, réu ou interveniente.
Parágrafo único. Correndo o processo perante outro juiz, serão os autos remetidos ao juiz competente da Capital do Estado ou território, tanto que neles intervenha uma das entidades mencionadas neste artigo.

Excetuam-se:
I - o processo de insolvência;
II - os casos previstos em lei.

Art. 100. É competente o foro:
I - da residência da mulher, para a ação de separação dos cônjuges e a conversão desta em divórcio, e para a anulação de casamento;
II - do domicílio ou da residência do alimentando, para a ação em que se pedem alimentos;
III - do domicilio do devedor, para a ação de anulação de títulos extraviados ou destruídos;
* Vide arts. 907, II, a 913.
IV - do lugar:
a) onde está a sede, para a ação em que for ré a pessoa jurídica;
b) onde se acha a agência ou sucursal, quanto às obrigações que ela contraiu;
c) onde exerce a sua atividade principal, para a ação em que for ré a sociedade, que carece de personalidade jurídica;
d) onde a obrigação deve ser satisfeita, para a ação em que se lhe exigir o cumprimento;
V - do lugar do ato ou fato:
a) para a ação de reparação do dano;
b) para a ação em que for réu o administrador ou gestor de negócios alheios.
Parágrafo único. Nas ações de reparação do dano sofrido em razão de delito ou acidente de veículos, será competente o foro do domicílio do autor ou do local do fato.



[21] Do lat. nuntiare; anunciar. Modernamente: embargo.
[22] CPP, art. 70: A competência será, em regra, determinada pelo lugar da infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.
[23] CLT, art. 651: A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento é determinada pela localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro lugar ou no estrangeiro.
[24] CPC, art. 100: É competente o foro: inc. IV: do lugar: d: onde a obrigação deve ser satisfeita, para a ação em que se lhe exigir o cumprimento;

[25] CPC, art. 95: Nas ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro da situação da coisa.
[26] CPC, art. 89: Compete à justiça brasileira ...: inc. I: conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil.
[27] CF, art. 109: Aos juízes federais, compete processar e julgar: inc. X: os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a execução de carta rogatória, após o exequatur, e de sentença estrangeira, após a homologação, asa causas referentes à nacionalidade, inclusive respectiva opção, e à naturalização.
[28] A Câmara dos Deputados , por dois terços de seus membros, autoriza a instauração (CF, art. 51, I), e o Senado Federal, sob a presidência do Pres. do STF, processar e julgar o Pres. e o Vice-Pres. da Rep. e outras autoridades de alto escalão (CF. art. 52, incs. I e II).
[29] CPC, art. 94: A ação fundada em direito pessoal e a ação fundada em direito real sobre bens móveis serão propostas, em regra, no domicílio do réu.
[30] CPP, art. 70: A competência será, em regra, determinada pelo lugar da infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.
[31] CLT, art. 651: A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento é determinada pela localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro lugar ou no estrangeiro.
[32] CPP, art. 72: Não sendo conhecido o lugar da infração, a competência regular-se-á pelo domicílio ou residência do réu
[33] CPC, art. 87: Determina-se a competência no momento em que a ação é proposta. São irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia.
[34] CPC, art. 113: A incompetência absoluta deve ser declarada de ofício e pode ser alegada, em qualquer tempo e grau de jurisdição, independentemente de exceção.
[35] CPP, art. 109: Se em qualquer fase do processo o juiz reconhecer motivo que o torne incompetente, declará-lo-á nos autos, haja ou não alegação da parte ... .
[36] CPC, art. 113, § 2º: Declarada a incompetência absoluta, somente os atos decisórios serão nulos, remetendo-se os autos ao juiz competente.
[37] CPP, art. 567: A incompetência do juízo anula somente os atos decisórios, devendo o processo, quando for declarada a nulidade, ser remetido ao juiz competente.
[38] CPC, art. 111: A competência em razão da matéria e da hierarquia é inderrogável por convenção das partes; mas estas podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde serão propostas as ações oriundas de direitos e obrigações.
[39] CPC, art. 102: A competência, em razão do valor e do território, poderá modificar-se pela conexão ou continência, observado o disposto nos artigos seguintes. (vide arts. 103 e 104).
[40] Exemplo de conexão pela causa de pedir: “se duas ações têm fundamento em um mesmo contrato, há identidade de causa de pedir, ensejando a sua reunião, com base na conexão” (RT 587/165)
[41] Exemplo de conexão pelo objeto: Se há reivindicação e um imóvel em uma ação, e em outra ação há pedido de declaração de usucapião, os processos devem ser reunidos em razão da disputa de ambas as ações versar sobre o mesmo objeto.
[42] Exemplo de continência mais comum: marido e mulher pleiteiam numa ação separação judicial e, em outra o divórcio. Ambas as ações têm as mesmas partes e visam à dissolução da sociedade conjugal, porém a ação do divórcio tem um objeto mais abrangente, pois, além da dissolução da sociedade conjugal, visa a dissolução do vínculo matrimonial, o qual pressupõe o vínculo conjugal visado naquela.
[43] CPC, art. 106: Correndo em separado ações conexas perante juízes que têm a mesma competência territorial, considera-se prevento aquele que despachou em primeiro lugar.
[44] Sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa.
[45] Decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente.
[46] Perempção: perda do direito de ação, que ocorre quando o autor dá causa, por três vezes, à extinção do processo por não promover os atos e diligências que competem, abandonando a causa por mais de trinta dias (perda do direito de demandar o réu pelo mesmo objeto).
[47] Art. 267, § 3º: O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos ns. IV (ausência de pressupostos ...); V (presença da perempção, litispendência ou coisa julgada); VI (condições da ação) ....”
[48] Art. 248: Anulado o ato, reputam-se de nenhum efeito todos os subseqüentes, que dele dependam; todavia, a nulidade de uma parte do ato não prejudicará as outras, que dele sejam independentes
[49] Art. 467: Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário
[50] Art. 468: A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas.
[51] Art. 485: A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: ....; II – proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente.
[52] Art. 495: O direito de propor ação rescisória se extingue em dois anos, contados do trânsito em julgado da decisão.
[53] CPC, art. 113, § 1.º: “Não sendo, porém, deduzida no prazo da contestação, ou na primeira oportunidade que lhe couber falar nos autos, a parte responderá integralmente pelas custas.”. O réu tem o dever de alegar no prazo da contestação, ou na primeira oportunidade em que lhe couber falar nos autos. A lei prevê as duas hipóteses no referido dispositivo; se o réu contestar, deverá fazer a alegação do vício na parte preliminar da contestação (art. 301, II); se não contestar, mas vier ao processo mais tarde, deverá alegar o vício na primeira vez que falar nos autos.
[54] Ver a propósito Celso Agrícola Barbi, in Comentários ao CPC, I vol., ed. Forense, 1983, p. 488.
[55] Ver, por exemplo, Ernani Fidelis dos Santos, in Manual de Direito Processual Civil, vol. I, ed. Saraiva, 1998, p. 158.
[56] CPC, art. 305: “Este direito (exceção) pode ser exercido em qualquer tempo, ou grau de jurisdição, cabendo à parte oferecer exceção, no prazo de 15 dias, contado do fato que ocasionou a incompetência, o impedimento ou a suspeição”. A expressão “em qualquer tempo ou grau de jurisdição”, deve ser entendida em termos. Ela não se aplica à incompetência relativa, pois, superado o prazo para resposta, ocorre a prorrogação e o vício da incompetência relativa se sana.
[57] CPC, art. 306: “recebida a exceção, o processo ficará suspenso (art. 265, III), até que seja definitivamente julgada.”
[58] CPC, art. 307: “o excipiente argüirá a incompetência em petição fundamentada e devidamente instruída, indicando o juízo para o qual declina”.
[59] Cf. Moacyr Amaral Santos, Primeiras Linhas ..., 1.º vol., 6.ª ed., Saraiva, 1978, p. 130
[60] Idem, ibidem, p. 136
[61] CC, art. 1331: “Aquele que, sem autorização do interessado, intervém na gestão de negócio alheio, dirigi-lo-á segundo o interesse e a vontade presumível de seu dono, ficando responsável por este e às pessoas com quem tratar”.
[62] CC, art. 623: “Na propriedade em comum, compropriedade, ou condômino, cada condômino ou consorte pode: (...) II – reivindicá-la de terceiro (...)”.
[63] CC, art. 289: “Na vigência da sociedade conjugal, é direito do marido: I – administrar os bens dotais; (...) III – usar ações judiciais a que derem lugar.”
[64] Exemplos: Alguém é impedido de contrair empréstimo bancário em razão de falsas informações prestadas por um desafeto, que o apresenta como devedor de vultosa quantia, em que, além de providências outras que o prejudicado possa tomar, se reconhece ao prejudicado o direito de recorrer ao judiciário para obter uma sentença que o declare não-devedor da anunciada dívida. Ou, ainda, alguém convive maritalmente com uma mulher sem ser com ela casado. Dela se separa e a mulher propala que eram casados legalmente. O h. que pretende convolar núpcias com outra mulher, tem interesse em recorrer ao Judiciário para obter uma sentença declaratória de inexistência da aludida relação jurídica. Outro exemplo: Um credor de título não vencido vê-se impossibilitado de descontá-lo em um estabelecimento de crédito porque o devedor propala que ele é falso. O credor pode ingressar em juízo buscando uma sentença declaratória da autenticidade do título.
[65] In Nulidades da Sentença, 2. Ed., São Paulo: RT, p. 22.