quinta-feira, 2 de outubro de 2008

COMERCIAL

1-) Comente o conceito econômico de comércio citando Stuart Mill.
O conceito econômico de comércio apresentado como sendo exato por Rubens Requião é o do Prof. Alfredo Rocco: "O comércio é aquele ramo de produção econômica que faz aumentar o valor dos produtos pela interposição entre produtores e consumidores, a fim de facilitar a troca de mercadorias".
A necessidade do comércio através da figura do comerciante, segundo Stuart Mill, surge "quando as coisas têm que ser trazidas de longe, uma mesma pessoa não pode dirigir com eficácia, ao mesmo tempo, a manufatura e a venda a varejo; quando, para que resultem mais baratas ou melhores, se fabricam em grande escala, uma só manufatura necessita de muitos agentes locais para dispor de seus produtos, e é muito mais conveniente delegar a venda a varejo a outros agentes; e até os sapatos e os trajes, quando se tem de fornecer em grande escala de uma vez, como para abastecer um regimento ou um asilo, não se compram diretamente aos produtores, mas a comerciantes intermediários, que são os que melhor sabem, por ser este o seu negócio".
Impossível é comentar o conceito econômico de comércio, relacionando-o com Stuart Mill, sem antes discorrer sobre "marketing", pois historicamente, a transição da economia de produção à economia de consumo processou-se através dele, desde os primórdios da revolução industrial, quando a produção em massa encontrou a chamada economia de escala na fabricação. A partir desse momento é que surgiu o dilema: como compatibilizar a capacidade de produção com a capacidade de consumo, e vice-versa? Que mercadorias existem e para que produtos e serviços?
A economia não é estável, não há equilíbrio entre produção e consumo, assim se faz necessário criar ou estimular o mercado, ou até mesmo abandoná-lo. Surge o papel do marketing: esforço mercadológico que visa resultados de manutenção, retração ou ampliação de mercado, de acordo com os objetivos da empresa e sua política comercial.
Desta forma, temos que o marketing pode ser definido como sendo "a atividade humana dirigida para a satisfação das necessidades e desejos do consumidor, através dos processos de troca, minimizando os esforços e maximizando os lucros".
Comparando os dois conceitos, o econômico de comércio e o de marketing, pode-se perceber facilmente a similaridade entre ambos, onde a única diferença latente é que o primeiro "faz aumentar o valor dos produtos pela interposição entre produtores e consumidores".
Discordo absolutamente desta posição, pois muitas vezes, a interposição entre produtores e consumidores se constitui em estratégia de marketing para diminuir o valor do produto, ampliar a produção e a distribuição, abrir novos mercados e atingir novos consumidores.
Stuart Mill discorre sobre a importância do comerciante para o comércio, apresentando justificativas mercadológicas que também divergem do conceito econômico de comércio. Sua tese afirma que o comerciante finda por baratear e melhorar a mercadoria que chega ao consumidor final.
Com isto, busco criar meu próprio conceito econômico de comércio, onde altero "valor do produto" por "circulação": "O comércio é a atividade humana que visa aumentar a circulação dos produtos pela interposição entre produtores e consumidores (os comerciantes) a fim de facilitar a troca de mercadorias (riquezas produzidas)". Não me refiro, neste caso, também à utilidade dos produtos, por acreditar que isto cabe ao marketing, que tem como uma de suas funções se preocupar com as necessidades e desejos dos consumidores, seja para suprir suas necessidades, seja para criar novos desejos.

2-) Comente o conceito jurídico de comércio segundo o conceito de Inglez de Souza.
O conceito jurídico de comércio conforme o Prof. Inglez de Souza "é o complexo dos atos de intromissão entre o produtor e o consumidor, que, exercidos habitualmente com fim de lucros, realizam, promovem ou facilitam a circulação dos produtos da natureza e da indústria, para tornar mais fácil e pronta a procura e a oferta".
Conforme Rubens Requião, deste conceito decorrem três elementos integrantes do comércio, essenciais para sua caracterização jurídica: a mediação, o fim lucrativo e a profissionalidade (habitualidade ou continuidade).
Modernamente muitas atividades lucrativas escapam ao âmbito do comércio, e outras, que estão sob o seu manto, podem não ter fim lucrativo. Assim, de acordo com Jean van Ryn, a utilidade da noção de lucro é muito reduzida para conceituar juridicamente o comércio, ou melhor, o direito comercial. A correspondência entre conceito de direito comercial e comércio perdeu-se há muito.
Concluindo, o conceito jurídico de comércio que na atualidade pode ser válido é "o conjunto das atividades que, em determinado país e em dada conjuntura histórica, se aplica o direito comercial desse país, e muitas dessas atividades não se podem justamente definir como comerciais". Esta é uma distinção artificiosa do conceito jurídico do conceito econômico, pois não se pode definir o direito comercial como direito do comércio.
Concordo com esta última posição, pois se o direito comercial não acolhe todo o comércio, este só pode ter uma definição jurídica artificiosa, como esclarece o autor.

3-) O Direito Econômico e o Direito Comercial têm relacionamento estreito à luz do art. 170, I a IX da Constituição Federal? Comente o conceito de Arnold Wald e Eros Roberto Grau.
Nos tempos modernos, de acordo com Rubens Requião, o direito comercial deixou de ser, apenas, um direito da atividade mercantil, abrangendo muitos institutos e instituições que não são necessariamente comerciais. Tendo em vista este problema, diversos estudiosos passaram a questionar a relação entre direito econômico e direito comercial.
O direito comercial constitui hoje uma disciplina ameaçada que precisa ser revista, afirma o Prof. Van Ryn, que indaga: "O que abrange a expressão direito comercial senão as regras que traduzem em termos jurídicos a atividade econômica, as operações que ela abarca, sua estrutura, seus mecanismos?" E acrescenta: "Se esse direito ainda é chamado comercial, o é como recordação da época longínqua na qual a atividade econômica se reduzia praticamente ao tráfico de mercadorias, ao negócio, ao comércio, no sentido mais estrito". Pensa ainda que caso se reconheça que o direito comercial é, na realidade, o direito das atividades econômicas, poderá se acolher a expressão direito econômico, nos apresentando como conceito do domínio do direito comercial "o conjunto de regras jurídicas relativas à atividade do homem aplicado à produção, à apropriação, à circulação e ao consumo de riquezas." Para ele "O comércio não é senão um dos elos da cadeia que constitui a atividade econômica global".
Já para Rubens Requião o direito comercial e o direito econômico possuem um âmbito preciso e definido. Com princípios próprios e bem delineados, o primeiro se identifica modernamente como o direito das empresas mercantis, enquanto o segundo disciplina o mercado de capitais, a atuação financeira do Estado no setor privado e os estímulos ao desenvolvimento econômico.
Requião questiona o problema da edificação do direito econômico como disciplina própria, apresentando a posição do Prof. Arnold Wald sobre o assunto quando discorre sobre o "Direito do Desenvolvimento" onde: "O direito econômico se distingue, tanto do direito comercial como do direito administrativo pela sua finalidade própria e pelo clima que pretende criar. Se, no direito comercial, as idéias básicas consistem na superior conciliação entre a celeridade dos negócios e as garantias de crédito, entre o formalismo e o automatismo das operações, entre a liberdade contratual e a segurança jurídica, o direito econômico visa dar à vida do país um aspecto ao mesmo tempo dinâmico e disciplinado".
A nossa Constituição Federal de 1988 traz em seu Título VII, da Ordem Econômica e Financeira, Capítulo I, dos Princípios Gerais da Atividade Econômica, artigo 170 que: "A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional (* V. art. 1º, I, CF.); II - propriedade privada (* V. art. 5º, XXII, CF; V. arts. 524 a 673, CC.); III - função social da propriedade (* V. Lei 8.884/94/94 - Infrações à ordem econômica - CADE.); IV - livre concorrência (* V. arts. 1º, caput, 20, I, 21, VIII, 27, V e 54, caput, Lei 8.884/94 - Infrações à ordem econômica - CADE.); V - defesa do consumidor (* V. Lei 8.078/90 - Código de Defesa do Consumidor; * V. Lei 8.884/94 - Infrações à ordem econômica - CADE.); VI - defesa do meio ambiente (* V. art. 5º, LXXIII, CF; * V. Lei 7.347/85 - Ação civil pública.); VII - redução das desigualdades regionais e sociais (* V. art. 3º, III, CF.); VIII - busca do pleno emprego (* V. arts. 6º e 7º, CF.); IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País (* Inciso IX com redação determinada pela Emenda Constitucional n. 6/95; * V. art. 246, CF; * V. Lei 9.317/96 - Regime tributário das microempresas - SIMPLES; * V. Lei 9.841/99 - Estatuto da Microempresa; * V. Dec. 3.474/2000 - Regulamenta a Lei 9.841/99.). Parágrafo único: É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei".
Podemos, ao observar este conjunto de preceitos voltados à regulação da economia, em nível constitucional, perceber que a ordem econômica brasileira está fundada na valorização social do trabalho e na livre iniciativa, que tem por fim a realização da justiça social, com fundamento em seus princípios (CF, art. 170, I a IX). É este conjunto de normas que estabelece e alicerça a ordem jurídica econômica de nosso Estado.
A livre iniciativa, fundamento da ordem econômica e princípio constitucional fundamental (CF, art. 1º, IV, In fine), constitui uma das normas mais importantes de nosso ordenamento constitucional. Ela, aplicada à realidade social, indica a liberdade de iniciativa econômica em sentido amplo, não se limita à iniciativa privada, mas abrange também a iniciativa cooperativa ou associativa (CF, arts. 5º, XVII e XVIII; e 174, §§ 3º e 4 º), a iniciativa autogestionária e a iniciativa pública (arts. 173, 177 e 192, II).
Podemos verificar este mesmo entendimento através do que afirma o Prof. Eros Roberto Grau: "Insisto em que a liberdade de iniciativa econômica não se identifica apenas com a liberdade de empresa. Pois é certo que ela abrange todas as formas de produção, individuais ou coletivas, e - como averba Antônio Sousa Franco - 'as empresas e as formas de organização com característica substancial e formal (jurídica) de índole capitalista'. Assim, entre as formas de iniciativa econômica encontramos, além de iniciativa privada, a iniciativa cooperativa (CF, arts. 5º, XVII e XVIII; e 174, §§ 3º e 4 º), a iniciativa autogestionária e a iniciativa pública (arts. 173, 177 e 192, II)".
Como se vê, a liberdade de iniciativa tem significado amplo, não ficando, portanto, restrita aos parâmetros da liberdade de empresa.
Com base nos conceitos apresentados concluo que o direito econômico e o direito comercial têm relacionamento estreito à luz do art. 170 da Constituição sob um ponto de vista estrito, quando o direito econômico dita preceitos que aparentemente poderiam ser ditos comerciais.
Porém, não deve ser esquecido que, tanto conforme Requião, Wald ou Grau, os direitos comercial e econômico distinguem-se por terem, cada um, finalidade própria, o primeiro especificamente trata das empresas mercantis, enquanto o segundo abrange todo o mercado, público ou privado, visando o desenvolvimento econômico do País.
Por este ângulo, num sentido amplo, o direito econômico e o direito comercial não têm relacionamento estreito à luz do art. 170, I a IX da Constituição Federal, já que este princípio constitucional fundamental visa a liberdade de iniciativa cooperativa ou associativa, a autogestionária e a pública, não se limitando à iniciativa privada, especificamente da empresa mercantil.


Bibliografia:

REQUIÃO, Rubens Edmundo. Curso de direito comercial. 24. Ed. rev., por Rubens Edmundo Requião, 2000. São Paulo: Ed. Saraiva, 2000. V. 1, 442 p.

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 3. Ed.. São Paulo: Ed. Malheiros Editores Ltda., 1997. 362 p.

ULHOA COELHO, Fábio. Curso de direito comercial. 5. Ed. rev., 2001. São Paulo: Ed. Saraiva, 2001. V. 1, 491 p.

ARAUJO, Luiz Alberto David, NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 4. Ed. rev., 2001. São Paulo: Ed. Saraiva, 2001. 430 p.